terça-feira

3 ) - ANGOLA -- UM PASSADO SEMPRE PRESENTE -- B) - - "MEMÓRIAS" de : ROBERTO CORREIA -- (1ª- Parte) -

------------------------- RESUMO GERAL -------------------------
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- 2 ª - Parte - LUBANGO - cont. - até DEZº 1952) -

angola-brasil.blogspot.com/2007/02/angola-um-passado-sempre-presente.html --- (CLICAR PARA VER AS RESTANTES PARTES : 3ª à 5ª)

- 3ª - Parte - LUBANGO/LUANDA - JANº/DEZº 1953) -
- 4ª - Parte - LUBANGO - 1954/1956) -
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- 5ª - Parte - NOVA LISBOA - LUANDA - CAMACUPA - 1956/1958)-
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FINAL ---- PORTO ALEXANDRE/CAMACUPA - 1959) -
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0000000000000000000000000====== (2ª PARTE) :
----------------------- "LUBANGO (cont. até Dezembro/1952) -----------------


--- Mais apoiado com aquele sucesso "jornalístico" voltava, em dia certo, talvez à Segunda-feira, pois o Jornal era publicado ao Sábado, a meter o "envelope" debaixo da porta e, para meu contentamento, era quase sempre publicado na primeira página, até com categoria de "artigo de fundo"! Mas, numa bela tarde, ao fazer essa "operação", abriu-se a porta e surgiu a respeitável figura do seu director, cachimbo na boca, a dar-me ordens para entrar. Fiquei indeciso e meio baralhado quando me perguntou quem me tinha mandado entregar o habitual envelope; ainda sem saber bem o que lhe responder, desejoso de raspar-me, ele insistiu, alegando : "... eu não posso estar a publicar sem saber quem escreve"...; quando confessei o meu "pecado", puxou-me lá para dentro, fechando a porta. Fez os seus elogios e, incitando-me a prosseguir então com uma proposta que se me afigurava irrecusável: "... escrever todas as semanas e, se pudesse, dar uma ajuda fora dos estudos, pagando-me 500 "angolares" por mês e dando-me um cartão de "livre-trânsito". Este, abrangia entradas livres em todos espectáculos pagos (futebol, cinemas, festas, etc.).
O meu problema era oficializar a autorização paternal, sem prejuízo dos estudos. Assim, com esse meu compromisso, uma nova faceta surgia com grande satisfação. No entanto preferia manter o meu segredo, usando o pseudónimo ("SOURREIA") o qual passara a ser divulgado. No cinema (ODEON) o director VITÓRIA PEREIRA, tinha uma frisa sempre reservada, incluindo sua família, a que passei a ficar "pendurado". Comecei com as reportagens e para isso a ter boleias e oportunidades nalgumas deslocações no distrito em cerimónias oficiais e festas públicas. Sentia-me então como nunca e ainda mais "vingado" dos que antes haviam pretendido diminuir-me ou mesmo ofender! Assim também tinha pulso livre e apoio público para tecer críticas a quem as merecia, o que muito me satisfazia; iniciei então uma série de artigos sob a rubrica..." Aqueles que...." completando a frase conforme o assunto debatido. Um deles foi sobre o caso duma grave fraude na Tesouraria Municipal com um simulado assalto para despistar a verdadeira origem. Passei a ter um campo mais aberto, contactos mais diversificados e outros mais frequentes com os melhores amigos e pessoas com certas posições de destaque.
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No LUBANGO havia uma velha tradição entre os estudantes, antigos e novos, quando se realizavam procissões ou certas cerimónias religiosas com a presença de grupos de alunas do "Colégio das Madres", situado bastante distante da Igreja principal : era a de as seguirmos no final dessas cerimónias, a uma certa distância, dizendo alguns piropos; quando regressavam já ao anoitecer, por ali permanecíamos mais tempo junto ao portão principal, fazendo alguma serenata, embora a bastante distância dos seus dormitórios.
Certa vez fora convidado para representar o Jornal num almoço do "Dia da Polícia", em SÁ DA BANDEIRA. Tudo decorreu pelo melhor, tendo ficado em lugar de destaque próximo do respectivo Chefe, Sr. CUNHA VELHO. Logo a seguir foi publicada a respectiva reportagem que teve o agrado policial; era sempre bom estar de bem com a Polícia ! Nem de propósito, passados alguns dias realizou-se uma procissão nocturna com a habitual presença dum grupo de alunas do Colégio, controlado por algumas Madres. No final, já se sabia, o nosso grupo iria fazer o tradicional acompanhamento. Todavia, talvez por sermos bastantes e já de noite, a Madre Superiora pedira o apoio da Polícia, o que não nos intimidou, estando na via pública ; a partir de certa posição, próximo da Central Eléctrica, aquela responsável "ordenou" aos guardas de apoio para não permitirem a continuação do "acompanhamento", muito embora efectuado a uma razoável distância. Como eu morava então precisamente naquela zona, adiantei-me e disse a um deles que ia para casa e que não podia impedir-me de passar. Logo que me apanhei do outro lado fui convidando este e aquele para irem a minha casa! O guarda não gostou muito do estratagema mas não tinha argumentos para me contrariar. Quase ao fundo dessa rua, em frente à casa dos SILVEIRAS e num cruzamento já perto do largo, de novo tivemos ordem de parar. Mais uma vez avancei e indiquei ao guarda que eu morava ali um pouco mais à frente e que não tinha outro acesso, bem como para os amigos que me acompanhavam. O grupo estava mais reduzido, no entanto, depois das Madres avançarem, fomos subindo em direcção à entrada principal do seu Colégio mas deixando um certo espaço. Após todas terem entrado ali ficámos em frente da grande porta para iniciar a serenata como tantas vezes já acontecera e até com certo agrado das ouvintes. No entanto parece que aquele guarda não estava para cantorias e com a ajuda dum colega pretendeu mesmo expulsar-nos à força do local. As coisas azedaram ao ponto de se ter registado um ligeiro confronto, durante o qual o dito guarda ergueu o seu "cace-tete" mas que, ainda no ar, foi apanhado, por trás, por um dos presentes e desapareceu do mapa; assim desarmado, resolveu o teimoso representante da autoridade, impor a todo o custo, recorrendo a um tiro de pistola dirigido para o ar. A partir desse momento o grupo desfez-se quase por completo e os guardas deram por finda a sua intervenção. Todavia a sua queixa estava à partida condenada ao fracasso em virtude de um deles ter sido "desarmado"! Quando lhe perguntaram se tivera reconhecido algum dos estudantes, lembrou-se então da minha presença como "jornalista" (alto e de óculos) no almoço do "Dia da Polícia". Fui convidado a lá ir para esclarecer o que se havia passado; tudo decorreu pelo melhor e mais uma vez contactei o Chefe, Sr. CUNHA VELHO com a maior das cordialidades e compreensões; o caso ficou arrumado sem qualquer consequência gravosa.
SÁ DA BANDEIRA era já uma cidade com um elevado espírito académico, procedendo-se a certas praxes quase universitárias, além das habituais "Ceias do MACONGE" (alicerçadas no seu "velho Reino e seus pares" e no seu habitual "Rei", CÉSAR DA SILVEIRA), além das tradicionais serenatas próximo das janelas ou varandas de diversas colegas, o que às vezes também eram mal compreendidas e concluídas mais de pressa do que o desejado; outras terminavam com o churrasco duma "penosa" que havia sido conseguida numa desprotegida e familiar capoeira e assada nas brasas da Padaria Militar, já a altas horas da noite, acompanhada de umas carcaças bem quentes, sob a condescendência do senhor "cabo PEREIRA", pai do ALBERTO, nosso colega do Liceu; debaixo dalgum capote lá surgia uma ou duas garrafas de tinto; os parceiros da farra eram os habituais e até com algumas datas pré-marcadas e com acções programadas.
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Como já mencionei, toda a minha actividade não me afectava os estudos, conhecendo já bem quase todos os professores daquele Liceu. Alguns deles eram figuras características : - o de "Português", dr. LUCAS, tinha o divertido hábito de levar para as aulas uma pequena fisga ("chifuta") e municiava-a com pedaços de giz usados no quadro da sala para acertar nalguns alunos mais desatentos, o que lhe dava imenso gozo e obtinha apoio do resto da turma que assim descobria um processo de reduzir o tempo das suas aulas; sua esposa, D. REGINA, professora de "Matemática", sendo ainda descendente do famoso SACADURA CABRAL e tendo uma filha pequena com problemas de saúde, esses pontos "fracos" eram motivos de conversas extras, aproveitadas para a desviar das "chatas" equações! Não posso deixar de recordar as aulas da Senhora D. LUÍSA, professora de "Inglês"; era uma "desgraçada" que nem conseguia manter a disciplina normal durante as aulas, mesmo estando de pé, junto das carteiras, onde habitualmente se apoiava; numa dessas ocasiões o malandro do JUVENAL, sentado defronte, foi-lhe pintando as unhas com a tinta ali existente, enquanto a senhora ia lendo um texto do seu livro; talvez quem mais a atormentava era o seu próprio sobrinho, MELO E CASTRO (o "MÉLÃO"); - um outro professor que seria difícil esquecer, era o Dr.EUCLÍDES DE ARAÚJO, da disciplina de "Físico-Química"; quando fazia um questionário ia incitando o aluno para responder-lhe, insistindo... "fogo, fogo, foguinho !..." ; a sua nota máxima era a de 15 valores, a qual sempre obtive e uma das muito poucas que atribuía. Mas o mais carismático de todos talvez fosse o professor de "Canto Coral", PITA SIMÕES, que se deslocava desde sua casa, nas bandas do Hospital, montado num velho burro ! Deixava-o fora da zona murada do Liceu, amarrado a uma árvore; o pior é que às vezes algum malandro resolvia libertá-lo e o animal regressava sozinho a casa; claro que o senhor ficava danado mas nem era possível descobrir qual o autor dessa partida e então afirmava : ..." são piores que os pastores da Serra que atiram pedras aos comboios..."; (certamente referia-se a PORTUGAL e talvez à sua terra natal). Quanto ao professor de "Desenho" e caçador nas horas vagas, Dr. NEGRÃO, casado com Dona VIRGÍNIA, "gerente" do Internato e "MÃE" de toda a rapaziada ali "hospedada", batia umas sonecas durante as aulas enquanto a malta gozava à brava; era também uma personagem típica : com chapéu e botas à "cow-boy", andar pesado e algum cão a fazer-lhe companhia, mesmo na sala de aulas!; não estava muito para se aborrecer com a vida.
Ainda em "Físico-Química" e substituindo o professor EUCLIDES, surgiu depois o doutor LEANDRO DE MENDONÇA, mais conhecido pela alcunha de "MENDONÇA DAS FORÇAS" ou ainda de "CHAROLÊS"; era de facto um homem de porte atlético, espadaúdo e de aspecto duro. Segundo constava tinha praticado boxe e, numa dessas disputas, havia eliminado no ringue e, de vez, um seu adversário, pelo que fora transferido para aquelas paragens, deixando a sua ilha da MADEIRA. Como no LUBANGO existissem então muitos descendentes dos velhos colonos das suas paragens e que ali haviam chegado desde o século XIX, o Dr. MENDONÇA tornou-se assim um acérrimo defensor contra as suas parcas condições de vida e encetando diligências para que fosse organizada uma viagem de saudade às origens.
Foi de facto efectuada no paquete "MOÇAMBIQUE", em Março de 1951), com o apoio da "CASA DA MADEIRA" e teve como seu directo colaborador o, talvez mais antigo aluno do Liceu, CÉSAR DA SILVEIRA; este não gostava nada que afirmassem que já teria quase tantos anos só no 7º ano do Liceu como nos restantes! Presidia às muito conhecidas e referidas "CEIAS DO MACONGE",(sendo seu "REI") e em que bastantes antigos e novos alunos se reuniam periodicamente. Esses mais antigos tinham então seus títulos nobiliárquicos pelos quais eram designados durante as cerimónias (condes, duques, marqueses...) e colaboravam com o "rei" na realização dessas e outras reuniões, muitas vezes caracterizadas por alguns excessos alimentares e não só! O "Reino do MACONGE" tivera origem alguns anos antes e a tradição foi-se mantendo "alegremente", conservando-se em actividade também muitos dos seus mais antigos elementos.
Voltando às referências ao doutor MENDONÇA e quanto à sua acção lectiva, ainda era mais limitado na atribuição de notas do que o seu antecessor. O nosso doutor "MENDONÇA DAS FORÇAS" dizia que só dava nota superior a 12 valores a..."quem soubesse tanto ou mais do ele...! Não é para me gabar, mas essa foi sempre a minha nota em todos trimestres. Tinha uma maneira especial de fazer algumas das suas tradicionais perguntas, dando antes já metade das respostas (..."esta electricidade é...posi... ? ); no entanto e com a maior das facilidades pregava um zero na sua caderneta; nos dias das chamadas, anunciadas no início da aula pelo habitual "sumário", puxava pela mesma que sempre andava no seu bolso, abria-a à sorte, mas depois olhava por toda a turma e fazia a "trágica" pergunta : "...hoje qantos são" ? ... Obtida a resposta, fazia as suas enigmáticas contas, sentenciando (por exemplo) : ... "catorze e seis...são...vinte, tá bem... tá bem... vem cá o 25" ! Outras vezes, com o ponteiro mantido na horizontal, percorria a sala dum lado ao outro; a malta baixava as cabeças e olhava para o lado, mas a decisão daquela lotaria era irrevogável e lá ia o sentenciado até ao quadro negro ! No final do período fazia ainda umas chamadas especiais, tentando, para quem se oferecesse, uma melhoria de nota. Colocava a caderneta, meio aberta, em cima da secretária e fazia uma outra tradicional pergunta : "...quem quer ser chamado ? "...Mas a maioria, com receio de ainda ver reduzida a média que tinha, em vez de a subir, procurava esquivar-se camuflando-se atrás doutro parceiro ou olhando para o lado ; sabendo que eu não corria esse risco, incitavam-me para me oferecer e assim passar mais depressa o tempo da duração do "terrível interrogatório"; eu achava que não devia proceder dessa forma pois já tinha obtido a sua tradicional nota máxima e também me encolhia. No entanto, depois de uma geral insistência da rapaziada, lá me levantava e então surgia a lenta sentença : "... senta-te,.. tu... não precisas"... Ainda mais se encolhiam os colegas, pois na falta de algum voluntário lá surgiria a temível decisão aritmética do..."hoje cantos são ?... venha cá o número..." .
Quando transitava pelos corredores do Liceu tinha por hábito (e paródia) dar uma "cachaçada" no aluno que passasse descuidado ao seu lado, o que era quase de o deitar ao chão! Uma outra demonstração da sua força, era a de pegar algum parceiro que não lhe agradasse, pelos colarinhos ou cabeça (com as suas fortes mãos espalmadas sobre as orelhas do desgraçado) e levantando-o até espernear; isso aconteceu com um funcionário da Secretaria do Liceu que assim foi "pegado" e com o pai dum aluno, nosso colega, que o enfrentara com a manivela dum táxi na mão, não no "Jardim", mas mesmo ali defronte do Liceu!
Não me vou alargar em apreciações dos restantes professores recordando apenas estes aspectos ou factos mais significativos e de fácil reconhecimento, até porque alguns outros já nem é possível salientar ou localizar no devido tempo. Porém não posso deixar de o fazer, pela positiva, no que respeita às valiosas actuações de certos professores, sem ofensa para outros que também o mereceriam, destacando apenas os nomes de : GASTÃO DE SOUSA DIAS, capitão na reforma, dr. JOSÉ (AMARAL ESPINHA) e o incansável Reitor, dr. JOSÉ RAMALHO VIEGAS (..." éh cá sou da malta"...) e grande entusiasta dos desportos.
Quanto à generalidade de colegas das turmas desse ano decorrente ou dos vindos de anos anteriores, além dos já mencionados, haverá muitas referências em falta, embora fossem merecedores de serem todos recordados; os documentos pessoais ou oficiais que facilitariam uma consulta mais profunda desapareceram na voragem do tempo ou dos homens, em destruições inconcebíveis, muito difíceis ou impossíveis de qualquer recuperação! Que me perdoem todos esses que ficavam assim esquecidos no tinteiro (nas teclas do computador ou na memória, já um tanto "gasta"!)... Na parte final deste trabalho tentarei elaborar uma lista geral e mais completa, agradecendo as informações que ainda me possam facultar.
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Entretanto e sem prejuízos dos resultados liceais, conforme me comprometera, ia desenvolvendo com entusiasmo as minhas actividades "jornalísticas", colaborando até com periódicos doutras cidades (...NOVA LISBOA, LUANDA, MOÇAMEDES...). Numa agradável deslocação para efectuar a reportagem da inauguração dum importante troço ferroviário, tive a companhia dum simpático casal, professores primários, sendo ele um "homem das letras", e com duas cunhadas; uma delas era alta, de cabelos pretos escorridos que logo me despertaram a atenção; durante essa viagem estabelecemos um interessante diálogo e apreciações sobre os acontecimentos desse dia, revelando a minha actividade e missão de que ia incumbido; nessa altura, na qualidade de "redactor principal" do Jornal "A HUILA" (tentava assim causar a melhor impressão possível); ainda hoje, nem sei que voltas dei à conversação nesse momento, terminando a dita viagem num "namoro pegado" com a outra irmã ! Salientei o facto de, nas Oficinas desse Jornal, trabalharem diversos indivíduos nativos, sem a mínima preparação escolar, ou seja, eram analfabetos, à excepção do seu chefe, já mais idoso, que sabia ler e escrever com certa dificuldade. Pois, era espantoso, quase inacreditável, como conseguiam todos compor, alinhando os pequeninos "tipos" de chumbo (com antimónio e estanho) com as respectivas letras e outros sinais, pela ordem que iam copiando numa folha previamente dactilografada para esse efeito e, a forma como o faziam com relativa facilidade, após uma certa rotação do pulso, conhecendo de cor todas as sua posições nas respectivas divisões das caixas de madeira ou feitas também com os mesmos metais. Depois de cada conjunto estar alinhado e encaixado numa forma provisória, era então amarrado com "fio de vela", também chamado "fio de sapateiro" e metido num lugar já escolhido conforme um plano desenhado para a apresentação da página em causa. Convém salientar que a composição era feita de forma inversa, com a referida rotação do pulso, de modo que se lia da direita para a esquerda o que, para quem nem sabia ler, era ainda mais complicado; no seu caso, bastava-lhes alinhar as letras iguais ao texto, mas ao contrário do que lá estava! O referido chefe dava depois uma vista geral a cada parte já composta e preparada daquela forma, encaixava-as numa outra forma maior, sendo tudo novamente apertado com o dito fio. Em seguida, ainda à mão, passava um rolo de tinta por cima e colocava com todo o cuidado uma folha de papel, ligeiramente pressionada, para obter uma primeira prova! A operação seguinte era a de conferir toda aquela página para depois procederem às respectivas correcções, que não eram poucas ! Era um sistema quase primitivo, mesmo comparado com as novidades até então surgidas. Depois de localizadas e efectuadas as necessárias rectificações, confirmadas por nova cópia, estava aquela página preparada para ocupar o respectivo lugar na "mesa da impressora". Quando ali era igualmente colocado o "par" daquela página, iniciava-se a sua impressão, ainda sujeita a nova conferência ! A enorme máquina era um autêntico exemplar do tempo de GUTTEMBERG : um monstro que ocupava uma divisão quase inteira, com uma roda imensa e uma manivela para a movimentar por dois homens, tal o seu tamanho! O papel ia sendo colocado por cima da caixa já preparada para as duas páginas, enquanto faziam baixar a pesada prensa sobre cada folha ! Obtidos então os necessários exemplares, essas páginas de composição eram logo desfeitas e o pequenos "tipos de imprensa" (filetes) regressavam às respectivas caixas, mais uma vez com o adequado movimento, para serem novamente utilizadas na preparação das restantes páginas ! As letras e os "pontos", (como se classificavam os intervalos) voltavam às hábeis mãos dos compositores para prosseguirem naquela tarefa; era quase um milagre conseguir manter toda aquela ultrapassada operação pelo que não havia hipótese de publicar mais do que as quatro páginas. Mesmo assim, era uma autêntica "carolice" manter semanalmente aquele já antigo periódico. Como a sua forma estava "pesada" e seu o aspecto pouco atractivo, foi conveniente introduzir algumas alterações de fundo para o melhorar. Passou a ter alguns títulos mais em destaque e diversificados, sem longas "colunas de chapa", em especial na primeira página e completando com algumas gravuras; tentava-se assim agradar mais aos leitores e manter ou aumentar os poucos assinantes existentes. Julgo que isso foi conseguido com agrado do próprio director, apenas apoiado por "um jovem e principiante redactor", não profissional, voluntário nas horas disponíveis.
As condições dessa colaboração continuaram as iniciais, sem possibilidades de melhorias; mesmo para mim era também uma "carolice" e a plena satisfação de estar contribuindo para uma pequena melhoria "jornalística" no LUBANGO. Fui solicitando ajuda e participação dos meus habituais amigos, também vocacionados para interesses literários (em especial : AUGUSTO TEIXEIRA, CAPELA, CELESTINO SILVA, FERNANDO MARQUES, JOÃO DA CHELA, LEONEL COSME, LUIS FONTOURA) ; que me perdoem e desculpem os que tenham ficado esquecidos, renovando os meus agradecimentos a todos quantos sempre colaboraram sem outra qualquer recompensa.
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Estava chegando à etapa final no Liceu "DIOGO CÃO", sempre na turma B (- à excepção do 1º ano, turma A -). Assim a maioria dos colegas já eram bem conhecidos e eu tinha conseguido certamente uma "credível" posição, não só pelos resultados liceais, como pela minha actuação "jornalística" que passara a ser do conhecimento geral, embora continuando a manter o mesmo pseudónimo ("SOURREIA") e pelo qual já muitos me chamavam. Penso que tinha também a estima e amizade dos colegas da turma A), incluindo as diversas raparigas e mesmo dos outros anos. Sempre procurei agradar a todos colegas e professores (sem "engraxadelas") com o respeito e consideração que me mereciam. Os antigos problemas com alguns dos colegas desapareceram e foram esquecidos. Interessava-me acima de tudo manter uma satisfatória posição lectiva ou mesmo melhorá-la e penso que assim foi acontecendo.
Quanto à nossa vida privada, tudo se tinha normalizado e os anteriores azares também foram sendo ultrapassados, tentando esquecê-los por completo e procurando tirar um bom proveito das oportunidades ou vantagens que fossem surgindo. Não satisfeito ainda com a minha constante actividade, decidira ampliar os meus conhecimentos com cursos por correspondência. O que mais me havia interessado então e relacionado com a minha paixão pela "Química", encontrei a certa altura numa publicidade feita pelas "ESCUELAS INTERNATIONALES DA AMÉRICA LATINA", processados por intermédio de MADRID. A grande dificuldade estava em conseguir efectuar o pagamento das respectivas prestações (mensalidades) em escudos metropolitanos, sendo os recursos financeiros muito limitados, com burocracias, exigências de autorizações e transferências bancárias ainda bem difíceis de obter.
No entanto essas dificuldades foram superadas e dei início aos cursos que então me pareceram os mais interessantes e oportunos : "Química Analítica" e "Química dos Petróleos". Já se sabia que ANGOLA tinha grandes reservas desse precioso "ouro negro". Como as lições eram em espanhol tive de adquirir ainda os necessários dicionários, mas mesmo assim lancei-me cheio de esperanças e vontade! Todo o restante tempo disponível transitou para essa nova "janela". O sistema então optado era de ir remetendo os exames periodicamente à medida que os completaria e em que ia recebendo novas lições. Devo dizer que o seu programa e conteúdo eram bastantes completos, talvez já mesmo com um nível superior, mas não me assustaram devido à velha paixão pela Química, já vinda de trás, não sei bem desde quando!
Debaixo da minha cama tinha sempre um caixote com reagentes e tubos de ensaio que "iam sobrando" do laboratório do Liceu por já estarem fora de uso e com a boa e simpática colaboração do seu auxiliar, FORTUNA ; era um verdadeiro "Auxiliar - Técnico" que, sem habilitações necessárias, nunca deixara de ser um simples servente ou encarregado das limpezas. No entanto, antes das aulas práticas ou durante os exames, todo o material necessário já lá estava nas bancadas e pronto a ser utilizado; nem precisava de saber os seus nomes esquisitos ou fórmulas complicadas; conhecia-os pela cor, cheiro ou pelos gazes libertados e ainda pela localização que tinham nos respectivos armários, sempre bem arrumados. Nas provas práticas e mesmo nos exames colocava os necessários reagentes de modo a facilitar-nos a sua concretização! Todos nós, alunos de "Físico-Química" do velho Liceu "DIOGO CÃO", devemos um preito de homenagem ao inesquecível e simpático FORTUNA, quase um "licenciado" ! Como disse, o meu sagrado e secreto caixote, debaixo da cama, continha alguns reagentes; alguns deles eram naturais, já enfraquecidos pelo tempo ou diluições (e ainda bem), mas existindo também outros resultantes de experiências escondidas que ia fazendo, ali ou ao ar livre, consoante a prevista perigosidade; nunca ocorreu qualquer consequência em especial nessas utilizações e os produtos "desconhecidos" eram experimentados na comida das galinhas de nossa capoeira ou nas das pombas que por lá aparecessem, Nesse aspecto é que uma vez ou outra o resultado não foi tão feliz, ficando eu, os de casa ou os vizinhos (dos pombais), sem saber qual a verdadeira causa de certas "baixas inesperadas"... !
Também lá estava uma mini reprodução, que fizera em gesso, da Catedral de SÁ DA BANDEIRA, sempre bem cuidada e protegida !
À mistura com os tubos de ensaio, reagentes, sabões e sabonetes, havia ainda algumas pequenas caixas ou frascos com uns desgraçados insectos, também vítimas de certas experiências e aguardando "melhores dias" ....
Verificando-se uma inconveniente morosidade na continuação dos cursos por correspondência já iniciados, decidi optar por um outro mais ligeiro e menos extenso: "Química dos Sabões - P.- 227" - aumentando assim o meu "armazém sub - cama". Este último curso foi concluído em pouco tempo, obtendo o respectivo Diploma com uma média de 17 valores, o que muito me entusiasmava.
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As relações familiares decorriam normalmente, assim como com a vizinhança e onde havia mais raparigas do que rapazes; estes talvez optassem por outras paragens ou diversões mais activas. No nosso pequeno quintal também se jogava a bola, servindo o grande telheiro de baliza, na qual o nosso companheiro "MIÚDO" gostava de se colocar.
Algumas vezes, à tarde, deslocava-me às instalações da sede do Benfica, com um amplo recinto pavimentado. Havia então grande entusiasmo pelo Basquete feminino, pela patinagem e já pelo hóquei em patins, talvez pela influência dos bons resultados da nossa equipe nacional; Juntavam-se pequenos grupos de iniciados, com bastantes raparigas, de mãos dadas, apoiando-se e evitando as aparatosas quedas (recordo as irmãs TAVARES,a Regina PEYROTEO, Ernestina COIMBRA, Ivone BLACK(?) e outras(os). Também me entusiasmei, assim como o HUMBERTO e o RUI; toda gente falava então nos famosos "laurentinos", em JESUS CORREIA, CORREIA DOS SANTOS e alguns outros nomes bem conhecidos. Com mais algum tempo de prática e de treinos fomos também incluídos na equipe do Benfica e participado nalguns jogos. Não era fácil para quem aprendera a patinar já bastante tarde; os nossos patins eram os vulgares, adaptados aos sapatos; só para os jogos utilizávamos a botas do clube, com patins fixos. No mesmo recinto havia também treinos e jogos de basquetebol e de voleibol contra as equipes de outro clubes que foram surgindo com bastante êxito.
Recordo ainda que, antes deste recinto ter sido totalmente cimentado e de iniciarem a construção das bancadas, era ali que se realizavam as festas anuais, substituindo as mais antigas, no campo de futebol : - um arraial situado junto à mulola onde, nos meses mais frescos, fazia um frio danado; como nosso pai pertencia à Direcção e à organização dessas festas, geralmente ficávamos até ao fim, já bem noite dentro ; por vezes minha mãe também colaborava com as outras senhoras nas diversas barracas, assim como a rapaziada. Cheguei a lá instalar uma "Tenda" com uma complexa Caixa eléctrica de "furos", em que se acendiam luzes de diversas cores, conforme o valor dos prémios e sendo tudo da minha autoria; era um sistema complicado, com uns 100 furos ligados a fios eléctricos, muitos soldados entre si, fazendo umas seis redes diferentes; uma "banana" eléctrica completava o circuito servido por uma pequena bateria (talvez de 6 volts). Deu-me um trabalho danado no qual devo ter andado envolvido durante as horas livres de algumas semanas, mas funcionou na perfeição perante a admiração até de adultos por ser a primeira vez que viam semelhante engenhoca em funcionamento. Para que os melhores "pontos" não pudessem ser localizados noutras séries, todo o circuito estava montado numa tampa rectangular que podia ser mudada de posição; assim, apenas os centrais ou os dos cantos seriam mais fáceis de detectar, mas esses correspondiam à rede mais extensa e sem prémios ou com os menos importantes! Noite dentro e quando o frio mais apertava, as senhoras das barracas, ou minha mãe, serviam-nos uma boa chávena do bem quente cacau com umas bolachas ou bolos, o que se tornou num saboroso hábito.
As receitas dessas festas eram então destinadas a completar as obras da sede e do futuro parque desportivo. Assim todos contribuíam modestamente com a sua quota-parte. Não havia outro na cidade e despertara um duplo interesse. Por vezes também colaborávamos nas barracas das rifas, as quais haviam sido feitas em nossa casa e nas de outros organizadores. Era um passatempo divertido; os mais novos enrolavam as rifas em branco (sem direito a qualquer prémio) e as restantes (premiadas) eram da responsabilidade dos adultos, bem como a respectiva lista dos diversos prémios. Colaborávamos ainda noutras tendas, em especial as das bolas para acertar num "cartola" que desfilava por trás dum tabique ou duma outra improvisação : uma garrafa de vidro, vazia, que tinha de ser mantida de pé durante um percurso com forma arredondada e com cerca de um metro de comprimento, puxada por um gancho metálico e um pouco flexível. Essa modesta colaboração já era normal desde algumas anos antes. No arraial não deixava de haver o espaço para o bailarico, com músicos voluntários, não profissionais; recordo a colaboração dos senhores FRAZÃO e SECA, do FERNANDO PERES e de outros.
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--- Assim nascera o grande Recinto Desportivo do "BENFICA DO LUBANGO".Ali se realizavam diversos jogos desportivos : basquetebol, voleibol, hóquei em patins, ténis, etc. com a comparticipação dos diversos clubes da cidade, bem como torneios inter-cidades (com MOÇÂMEDES, BENGUELA, NOVA LISBOA) em que se registava uma simpática colaboração dos estudantes dessas cidades quando ali se deslocavam por altura dos seus exames no Liceu "DIOGO CÃO", então o único existente além do Liceu "SALVADOR CORREIA", em LUANDA. Era interessante notar que até deste último se transferiam alguns alunos para o LUBANGO, talvez pelo seu clima e pelo tradicional e simpático ambiente académico. Esses alunos depressa se integravam no novo ambiente. Era a nossa "NOVA COIMBRA", tão desejada e tão retardada ! Muitas vezes defendemos publicamente essa nova designação.
Logo a seguir à referida "mulola", a caminho da encosta da serra (PONTA DO LUBANGO), estava então situada a sede do "Rádio Clube da Huíla"; era nessa zona que tinham residido os meus padrinhos (família PEYROTEU"). Ali morava também a simpática IVONE, uma das companheiras habituais das tardes de patinagem junto à sede do BENFICA; nesta, havia um salão onde se realizavam as suas festas e bailes mais importantes aos sábados, seguidos de tardes dançantes ao Domingo.
--- Ainda quanto ao desporto, também se realizavam diversos jogos no novo campo e no antigo Ginásio do Liceu "DIOGO CÃO". Nesse havia também treinos e desafios de voleibol (o que eu mais preferia) e de basquetebol, mesmo com entusiásticos Campeonatos. Alguns dos jogos eram apenas durante as horas das "borlas" (entre as aulas), mas outros mesmo organizados e disputados entre os diversos anos. Muitos iam assim ainda transpirados para a aula seguinte, onde também se concluíam os comentários e as críticas sobre esses jogos. Mesmo junto ao Laboratório e até ao "muro das lamentações" havia um razoável espaço que era também utilizado em diversos encontros de futebol entre as equipes da "Terra" e da "Lua", capitaneadas pelo JUVENAL MOITA e o TELMO MENDONÇA; eram umas disputas bastante renhidas, com bolas improvisadas, não deixando de haver umas caneladas à mistura ! Mas tudo terminava na melhor das harmonias e das "fanfarronices" dos seus capitães !
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--- Mais uma vez quis o meu azar que fosse "apanhado" num período final do ano lectivo (desta vez já no 5º ano), mesmo em vésperas do exame (provas escritas). Até me diziam que era de propósito... Essas provas tinham-me corrido bem, especialmente na secção de "Ciências", apesar de já me encontrar com certas dificuldades físicas que se foram acentuando a cada momento. Nos dias precedentes começara a sentir dores de cabeça e mesmo febres a que atribuía ao maior esforço feito nessa altura; não me deixei abater e prossegui, não querendo de maneira nenhuma faltar ou interromper a sua concretização; recordo-me que a última prova que tive foi a de "Desenho à vista" e que terminei já debaixo dum esforço enorme, tremendo mesmo, mas conseguindo um bom trabalho; logo de seguida deixei o Ginásio meio confuso; abandonava a luta e baixava as armas; era impossível continuar a lutar sem outros recursos !
Fui imediatamente, com certa dificuldade, para casa (ainda nos anexos da família MELO) e assim que lá cheguei meti-me na cama; já tinha um febrão desgraçado e todo eu tremia. Como a situação não cedesse aos primeiros e habituais recursos caseiros, foi chamado o necessário médico, talvez o dr. FARRICA ou o dr. SIMÕES. Ainda com alguns tratamentos falhados e com nova consulta foi-me ditada a sentença : tinha "apanhado o tifo" ! O medicamento indicado e então ainda novidade era a "Cloromicetina", difícil de obter nas farmácias locais nessa ocasião em que já haviam surgido alguns outros casos e sendo o seu preço elevadíssimo. Só restava o recurso de se mandar vir de LUANDA, por via aérea.
Entrei num severo regime de restrições e de medidas preventivas, evitando-se contactos directos com os familiares e com separação de roupas, utensílios, etc. Só depois das primeiras doses daquele medicamento é que as febres começaram a ceder e eu a tomar plena consciência da gravidade da situação em que estivera mais uma vez. Prosseguiam as remessas do medicamento duma farmácia de LUANDA pela D.T.A directamente para o meu pai, elevando ainda mais o seu custo; o mesmo acontecia nessa altura com algumas outras famílias, nem sabendo concretamente da origem dessa terrível epidemia. Passei a aperceber-me das dificuldades e do elevado custo do meu tratamento. Meus pais estavam assim com mais esse problema e tudo faziam para o superar; a assistência "médica" caseira era completada por todos restantes membros da família em turnos de dia e de noite, com as convenientes restrições e cumprindo os horários estipulados. Compenetrei-me bem dessas dificuldades, o que ainda mais me custava! No entanto tinha de reagir e fazer os possíveis por colaborar o máximo nas medidas adoptadas. Com toda essa luta abnegada e contínua a situação começou a normalizar-se, tendo desaparecido os febrões. A dieta era rigorosa, o que me foi enfraquecendo mais do que já era; sei que tive a maior força de vontade e colaborei abertamente.
Além de tudo havia uma outra razão que me aumentava as forças nessa luta: apenas tinha feito as provas escritas (exame do 5º ano) e por certo ainda havia pela frente as esperadas provas orais, o que nesse momento era uma incógnita ou um segredo bem guardado! Já se sabia que, por determinadas razões "oficiais", teria de haver nos resultados desses exames uma razia muito elevada, talvez cerca dos 80%! !
Estive "de cama" cerca de um mês; tinha enfraquecido bastante e nem conseguia levantar-me; só apoiado por duas pessoas; já nem sabia andar e só com esse amparo voltei a dar os "primeiros passos"! Tomei então conhecimento da minha situação liceal. Tinha havido de facto uma grande razia, tremenda e oficializada! Mesmo já com as febres eu havia sido um dos poucos que conseguira ultrapassar a barreira das provas escritas nas duas secções ("Letras e Ciências"), tendo de ir às provas orais apenas na secção de "Letras".A grande maioria dos meus colegas obtivera êxito apenas na secção de "Letras" e muitos nem isso. Assim e, apesar de tudo, senti-me novamente confortado e com mais vontade de prosseguir. Nosso pai conseguira obter, com muitas dificuldades burocráticas, a autorização especial para eu ainda ser presente às referidas provas orais dentro desse ano lectivo, ou seja no final das "férias grandes", que era então em 31 de Março (1951). A autorização foi obtida mas era impossível fazer mais algum esforço suplementar para me preparar melhor e vencer aquela nova barreira, tanto mais sem ter tido a possibilidade (física, embora o tivesse tentado) de antes assistir às provas dos meus colegas. A minha cabeça não estava capaz de fixar qualquer estudo.
No final desse período lectivo e das férias, mesmo nesse último dia, apresentei-me para as provas orais de "Letras", sem ter tido a mínima possibilidade de me preparar convenientemente. Era então o único "sobrevivente dessa campanha" e com um júri especial! Logo para maior azar havia de me aparecer pela frente o "temível" dr. HIGINO VIEIRA, creio que chegado pouco antes de LUANDA e uma professora completamente desconhecida; certamente nem levaram em consideração a minha situação especial. Nem tive salvação possível; espalharam-me como melhor entenderam ! Nada havia a fazer contra isso, mas nunca iria desistir! Foi um tremendo transtorno na vida dos pais depois de tanta despesa e na minha mais directamente. No entanto, admitindo a hipótese desse fracasso, eu próprio já tinha delineado a minha sequência lectiva : tendo ainda dois irmãos a estudar (um no 7º e o outro no 4º anos), decidi não regressar ao Liceu e empregar-me no que fosse possível, podendo assim obter alguma ajuda para o orçamento doméstico e sem causar as necessárias despesas com a continuação dos estudos. Eu não desejava parar mas achei que não havia necessidade de andar mais um ano no Liceu só para repetir a secção de "Letras", bastando-me comparecer aos próximos exames e, se necessário então, com algumas explicações prévias.
Entretanto o RUI também teve o mesmo problema com o tifo e ainda mais tudo se complicara; repetiam-se todas as dificuldades já antes surgidas e aumentavam-se os encargos normais anteriores. Mais uma razão para tentar um emprego. Assim, sem grande experiência profissional, andei à procura de uma colocação; a pouca e única prática fora adquirida durante as "férias grandes" do anterior período lectivo em que, voluntariamente, fui trabalhar numa casa de exposição e venda de móveis ("MOBILADORA DA HUÍLA", pertencente a uns amigos (ALFREDO e JOÃO ALVES) da nossa família. Não tinha mais do que passar parte do dia na loja/exposição, aguardando possíveis clientes e ir limpando o pó para estarem mais apresentáveis. Como ficava situada na rua principal, perto da Pastelaria "TIROL", ia apreciando o movimento e conversando com alguns amigos que por ali passavam. Foram mais de dois meses sem quaisquer problemas e de certo modo até bem passados!
Apesar da minha precária situação física, ainda fui tentando então várias outras hipóteses de emprego, mas andei meses sem o conseguir; foi uma época bastante crítica e difícil de aguentar; ia-me valendo a companhia de um vizinho amigo que se encontrava na mesma situação e ainda a minha colaboração com o Jornal, mas não era o suficiente. Por outro lado também não devia mudar para uma nova situação definitiva, porque para eu conseguir apresentar-me de novo ao exame da secção de "Letras" tinha de ser proposto por uma entidade credenciada, normalmente um Colégio adequado e, neste caso, exigiam a frequência obrigatória das aulas correspondentes ao terceiro período lectivo.
Acabei então por me matricular, já nessa fase, como o fizeram alguns outros colegas, no "COLÉGIO INFANTE DE SAGRES". Os meus principais professores eram: ALBINO FERNANDES DE SÁ e o padre CARLOS ESTERMANN, respectivamente de "Português" e de "Inglês"; a professora D. ALDA  PINHEIRO (esposa do professor SÁ) leccionava uma outra disciplina. O director (?) era então o dr. FERRONHA.
--- Era assim uma etapa final para concluir o 5º ano, então designado "Curso Geral dos Liceus". Esse período no Colégio decorreu bem. O professor SÁ era um indivíduo de conduta exemplar, com elevada formação cristã e intelectual, calmo e compreensivo nas relações com os alunos; quanto ao padre CARLOS, antropólogo de renome internacional, direi que era um sábio, pelo fácil domínio e desenvolvimento em pormenor de qualquer matéria; o director (?) FERRONHA, não foi meu professor mas talvez fosse um espírito conflituoso e com acentuadas tendências políticas; com os restantes professores poucos contactos tive.
Com o professor SÁ sucedeu-me uma situação inesquecível e que talvez me tenha influenciado em certas resoluções futuras : - tivemos uma prova escrita com desenvolvimento dum tema, talvez à escolha dos alunos; preferi o que sempre me cativou : - sobre a colonização, ocupação do sul de ANGOLA e da verdadeira epopeia de muitos dos seus antigos colonos e de certos militares, entre os quais se contavam alguns dos meus ascendentes. O texto saiu-me com cadência poética, talvez com "sabor épico". Fiquei satisfeito e expectante quanto à classificação. No dia indicado para essa divulgação e entrega das provas, ao chegar ao Colégio e, ainda na rua, veio ter comigo um colega (FONSECA ?) que frequentava com assiduidade quase familiar a casa do professor SÁ e, informou-me todo radiante :..." o SÁ disse que tu és um pequeno génio"... Fiquei baralhado com aquela opinião tão inesperada! Logo no início da aula, antes de entregar as provas, o professor SÁ chamou a atenção de todos para uma prova..."muito especial"...a ser divulgada no final. Assim, foi chamando e entregando todas as provas dos meus colegas e com algumas considerações; já só faltava a minha e mais excitado fiquei. Então chamou de novo a atenção geral e leu-a em voz alta, o que terminou com uma salva de palmas de todos colegas e felicitou-me pessoalmente!
Era uma ocasião única, tanto mais levando em consideração a elevada craveira intelectual e a irrepreensível conduta do professor SÁ. Recebi assim um novo e bem valioso alento para prosseguir o "sonho da escrita".
A preparação no Colégio foi a conveniente e necessária para ultrapassar a barreira do exame na secção de "Letras", realizado no final desse ano lectivo (em 4/2/1952). Mantinha a decisão de não voltar a frequentar o Liceu para fazer o 6º ano e, talvez ainda, a dúvida se devia prosseguir em "Letras" ou em "Ciências", bem como pelas dificuldades económicas caseiras que eu sabia existirem. Tentaria, mais uma vez e então já com mais esperanças, obter um emprego. Recordo que entretanto fui procurado, em casa, por dois estudantes de NOVA LISBOA e de BENGUELA (o ALEX e seu irmão ou um outro colega, ambos completamente desconhecidos), por indicação do Reitor do Liceu, doutor RAMALHO VIEGAS, como sendo a pessoa mais aconselhável para lhes dar uma orientação sobre "Físico-Química", cujo exame prático iriam então fazer ! Fiquei mesmo sem saber o que lhes dizer, limitando-me a oferecer ajuda dentro dos meus conhecimentos.
Aquela curta experiência adquirida durante as "férias grandes" do ano anterior era a minha única base para me facultar o acesso a um outro emprego. Depois de algum tempo no "desemprego" (sem qualquer subsidio), lá surgira uma hipótese que não quis desperdiçar. Tratava-se do escritório duma loja e armazém (com respectiva residência) de variada mercadoria e muito conhecida no meio citadino pela designação de "NUNO PEDROSA"; eram vizinhos de minha prima MARIA DA GLÓRIA, ali mesmo defronte a uma parte do Jardim principal. O sócio-gerente, familiar do anterior proprietário, era o exigente "chefe" do escritório e de tudo; o guarda-livros era o senhor CARVALHINHO, tendo como seu ajudante o amigo e colega CRISTÃO (QUITOLAS). A firma tinha ainda a distribuição e venda de lotarias por intermédio de cauteleiros. Fui "encarregado" de controlar esse serviço diário, com a recepção pelos C.T.T., da lotaria para venda e da devolução da que fora premiada. Ficava auferindo o vencimento de 500$00 dos quais o patrão ainda me descontava 75$00 para o Sindicato (25$00 pela minha quota e mais 50$00 da quota que lhe pertencia!), restando-me o triste líquido de 425$00! Para as deslocações aos Correios, já na parte alta da cidade, perto da Estação do Caminho de Ferro, tinha ao meu dispor uma velha bicicleta, o que não facilitava nada nas subidas até aquele destino, pela Rua da MÔNGUA (?) que passava por frente da nova sede do Rádio Clube da Huíla. Para baixo seguia pela rua principal (PINHEIRO CHAGAS ?). Esse meio de transporte servia ainda para eu andar "à caça" de alguns dos seus mais antigos "caloteiros", missão pouco agradável de cumprir; era um cobrador pouco experiente e sem jeito para tal, acabando por ser pouco eficiente. O ilustre "patrão", muito bem posicionado no meio social, com um vistoso "CRYSLER" vermelho, de mudanças automáticas, era como um senhor todo-poderoso, mas "mal-educado", cheio de peneiras! O senhor CARVALHINHO passava o seu tempo, calmamente, às voltas com a escrita dos livros de contabilidade (talvez a segunda) enquanto o colega CRISTÃO, seu auxiliar, muitas vezes servia de motorista da família patronal, ora para levar a "Senhora" à cabeleireira, ora para levar a "Menina" ao Colégio das Madres, e enfim para o que fosse necessário ou mais vistoso! Ele nem se ralava muito pois enquanto andava nessas voltas não tinha de fazer outros serviços, talvez mais chatos. Na parte da loja e armazém estava o amigo HORTA que dava inteira conta do recado, tendo por ajudante o nada novo senhor CONCEIÇÃO.
Um dos principais clientes da firma era a Escola de Regentes Agrícolas do TCHIVINGUIRO, tendo como director o senhor dr. PABLO; era uma pessoa muito respeitável, simples e simpática com todos empregados (bem ao contrário do dito patrão de quem era seu amigo).
No referido escritório eu era como que um mero "contínuo" não obstante o facto de possuir mais habilitações do que os colegas que estavam melhores posicionados e mesmo do que o convencido patrão!Isso encorajava-me mais a decisão de ainda prosseguir com os meus estudos, então de conta própria. Surgira de novo a dúvida pessoal, quase um dilema interior; que ramo devia eu seguir : "Ciências ou Letras" ? Sempre tive mais facilidade e gosto pelas primeiras, com notas bastante aceitáveis, mas o sonho da "escrita", do jornalismo, da poesia, enfim, aquele inesperado impacto da apreciação e elogio do professor SÁ e os meus "êxitos jornalísticos", faziam-me reduzir a paixão pelos tubos de ensaio, das experiências com diversos reagentes químicos, dos cursos de ciências por correspondência! Tudo isso surgia então em segundo plano, ou talvez numa posição paralela com o desejo de prosseguir antes com a "Secção de Letras" do terceiro ciclo liceal.
Como o professor SÁ e a D. ALDA davam explicações particulares em sua casa, eram logicamente as pessoas mais indicadas para me orientarem. Levantava-se também um outro e complicado assunto : o que eu recebia do escritório, os míseros 425$00, destinavam-se a contribuir para o orçamento doméstico como ia acontecendo. De resto apenas dispunha da "gratificação" do Jornal (500$00 superior à do escritório)! Não me bastava já essa complicada situação pessoal e, entretanto, apaixonado pela música e em especial pela dita "séria", tendo apenas os rudimentares conhecimentos da disciplina liceal do "Canto Coral" e "Teoria Musical", decidi comprar um violino, usado, ao amigo FERNANDO PERES, componente do conjunto musical que costumava actuar nos bailes do Benfica. Por coincidência pouco tempo antes uma pessoa ligada à família havia casado com um ilustre violinista, um verdadeiro mestre (READER DA COSTA ?), quase vizinho do professor SÁ! Parece que tudo me desafiava para avançar nesses sonhos, mas a minha situação financeira era deficitária. Cheguei até a encomendar um livro espanhol "Como dirigir una orquestra" ! Imagine-se !
Tive de expor a questão aos meus pais e acabei de facto por dar seguimento a essas pretensões : - lições de música (violino) com o citado mestre e aulas de "Português (Literatura)" com o professor SÁ e D. ALDA, dentro do programa do 6º ano liceal. Ficava assim "enterrada" a tendência científica. Mas todo esse "grande sonho" era bom demais para mim ! Não tardou que eu tivesse de deixar tudo aquilo para outra oportunidade. Os tempos não estavam para devaneios intelectuais nem musicais e aquelas importâncias deviam regressar ao orçamento doméstico, ficando apenas com uma parte da minha gratificação jornalística. O que me ia valendo era o cartão de "livre-trânsito" com acessos gratuitos bastante diversificados. Essa minha intervenção mantinha-se e tinha então a hipótese de ser aumentada em lugar daquelas "horas suspensas" provisoriamente, mas com tendência a serem definitivas.
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A melhor parte do dia era a passada à tardinha, em nossa casa, com as habituais amigas, LISETE e LUCY ou, quando me encontrava então com alguns amigos e ex-colegas do Liceu numa montra, elevada, na esquina do edifício pertencente à firma "VENÂNCIO GUIMARÃES", do carismático "velho VENÂNCIO" ou "VENÂNCIO TIO"; além dum grande estabelecimento comercial tinha ainda uma Tipografia onde era elaborado o seu "JORNAL DA HUÍLA", as Oficinas que davam apoio às suas camionetas "DIAMOND" com carreiras para BENGUELA, NOVA LISBOA e ROÇADAS; nessas trabalhavam então os tios JOÃO e ZÉ DA CRUZ e ainda o primo VICTOR; na Tipografia trabalhava o tio HUMBERTO e onde começara bastante novo, necessitando dum pequeno caixote de madeira para estar a uma altura suficiente de alcançar os "filetes" de chumbo utilizados nas composições tipográficas.
Os amigos reunidos nessa esquina, ("política e literária"), ora uns ora outros, (alguns já referidos) eram, normalmente : - AUGUSTO TEIXEIRA Jr. , FERNANDO MARQUES, FERRAZ DA SILVA, irmãos GASPAR DA COSTA (ÂNGELO e JOSÉ MANUEL) LEONEL COSME, LUÍS e CARLOS FONTOURA, LITOS e MILO VICTÓRIA PEREIRA, POMBO, etc. Ali também era um bom ponto de observação das moças que desfilavam por essa rua, já designada por "Picadeiro". Esta zona localizava-se desde a CASA VENÂNCIO GUIMARÃES SOBRINHO e HOTEL METRÓPOLE até à esquina do "HOTEL DO PADRE", (situado depois da PASTELARIA TIROL e um pouco antes da CÂMARA MUNICIPAL). Aos sábados e domingos, à tarde, havia por ali mais frequência, com invasão da estreita rua, para cima e para baixo, dos grupos de raparigas e rapazes, na sua maioria estudantes, principalmente na altura dos exames, em que vinham muitos de NOVA LISBOA, BIÉ, BENGUELA, MOÇÂMEDES, etc.
No nosso grupo "de esquina", fixo, nem sempre estávamos todos reunidos; uns ou outros, eram os mais habituais. Foi nessa época que o MILO MAC MAHON, o RAÚL (INDIPWO) ensaiavam num dos quartos da "PENSÃO LOPES" e daí nascera o "DUO OURO NEGRO" -- (posteriormente "TRIO OURO NEGRO" e novamente "DUO OURO NEGRO")-- ; por vezes também alguns de nós lá os íamos escutar.


-- (clicar em : pt.wikipedia.org/wiki/Duo_Ouru_Negro
ou : duoouronegro.blogspot.com
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--- Nesses encontros, quase diários, sempre fazíamos apreciações, críticas ao período, à situação existente e ao futuro que melhor desejávamos para ANGOLA, tendo assim um carácter social, político e mesmo intelectual. Alguns deles, como já me referi, eram colaboradores assíduos do Jornal "A HUÍLA" e por vezes mesmo de outros periódicos. As "sementes" para os sonhos duma independência justa e equilibrada, para todos, desde há muito estavam lançadas à terra, talvez mais entre os jovens ! Era ali a nossa pequena "Tertúlia".
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Como tristezas não pagam dívidas, aproveitava todas as oportunidades surgidas nas diversões em que tinha mais fácil acesso; nalgumas passei a ser até uma espécie de "organizador", como para os assaltos de Carnaval, nas marchas populares (ainda sem localização bem definida); juntavam-se uns amigos, principalmente dos vizinhos ou dos mais conhecidos, desafiavam-se umas raparigas e lá íamos fazendo os necessários ensaios. No caso das "marchas populares" convinha arranjar um patrono e um local apropriado e a solução foi o "velho" BENFICA. A sua sede e o novo recinto desportivo (e de festas) ficavam em plena cidade, distante do seu campo de futebol.
Assim tudo prosseguia nesse sentido e aos poucos foi-se concretizando; neste último aspecto saliento a colaboração mais estreita das famílias : ALVES, GOMES TEIXEIRA, GASPAR DA COSTA, COUCEIROS, SEARAS, MORGADO (FERNANDO ?), PARREIRA, PIRES e de algumas outras que já não é possível recordar (sem alguma ajuda); conseguiu-se um grupo jeitoso, relativamente bem ensaiado e com uma invejável decoração para competir com outros grupos da cidade ou dalgum bairro. Para isso lá surgiu a minha "imaginação" de como iluminar os habituais arcos sem qualquer perigo de incêndio; assim "dei à luz" a um plano com a utilização de uma ou duas baterias eléctricas, (12 volts), num circuito que abrangia os diversos arcos e com lâmpadas de variadas cores! Estava tudo a postos para defrontar os nossos adversários e no maior dos segredos! O desfile teve lugar durante uma noite no recinto de festas do Benfica, com casa cheia! O efeito foi de facto interessante e mereceu muitos aplausos da assistência, era quase uma entrada triunfal! No entanto alguma coisa tinha de correr "atravessada" e numa das manobras da "contra-dança" uns fios eléctricos desprotegidos cruzaram-se e as faíscas logo atingiram os inúmeros enfeites do papel colorido. Não era nada de especial mas o susto e a precipitação completaram o fracasso e lá se foram uma data de horas de trabalho!
Quanto aos assaltos de Carnaval, desde alguns anos, eram efectuados em diversas casas de famílias das nossas relações, normalmente de cada um dos componentes, com surpresa para os mais idosos e em que todos contribuíam para a sua realização, como já era da tradição, recordando-me principalmente os que se faziam no "velho" Bairro do Benfica (junto ao seu campo de futebol).
As relações no Bairro do "Colégio das Madres" com as nossas vizinhas mais próximas e as "lições de dança" da tia LILI decorreram sempre pelo melhor, assim como as tardes de patinagem no recinto do Benfica. Tinha uma "agenda pessoal superlotada"!...Noutras ocasiões, mais à noite, reunia-me com alguns companheiros das serenatas, às vezes mesmo às moças do nosso bairro.
De tudo isso, o mais chato era, durante as horas normais de serviço, ter de aguentar o "convencido" patrão e aquela empreitada diária dos levantamentos e expedições das lotarias na distante Estação dos Correios, montado no "cangalho" duma velha bicicleta que quase se desfazia nas subidas. Mas, finalmente surgira uma "luz ao fundo do túnel"!...
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Estando inscrito no recenseamento, fui convocado para a Inspecção Militar, constituindo então uma novidade na nossa família mais recente! Só em "tempos antigos" alguns familiares (já referenciados) haviam prestado serviço militar voluntário ou obrigatório. É que até então só os "brancos de primeira" é que tinham "categoria" ou o privilégio para frequentarem uma Escola de Quadros Militares! Talvez pela minha elevada altura, fora da média, ou por deficiência visual, fui admitido para a Escola de Sargentos Milicianos Amanuenses - (Serviços de Secretaria Militar) - ou mesmo porque já haveria um plano confidencial para o nosso futuro desempenho. Era assim a primeira vez que funcionava tal Curso e ficaria instalado na Escola de Quadros Militares, em LUANDA, junto ao Palácio do Governador-Geral. Não fiquei nada contrariado tanto mais que me livrava do detestado emprego (de contínuo com o "Curso Geral dos Liceus" completo!), bem como do insolente patrão.
Era ainda a primeira vez que ia sair do distrito da HUÍLA. Além do LUBANGO, CHIBIA, HUMPATA, MOÇÂMEDES, PORTO ALEXANDRE, pouco mais conhecera até então.
Como a viagem para LUANDA seria por via terrestre, teria ainda a oportunidade de ficar a conhecer todo esse trajecto da zona centro e um pouco da zona norte : (QUILENGUES, CACONDA, NOVA LISBOA, BAILUNDO, QUIBALA, CALULO, DONDO, etc., segundo o percurso rodoviário) e, por fim, seria a prometedora capital, a velha e histórica LUANDA!
Tudo isso despertava-me bastante interesse além de ser a primeira vez que me tornaria "independente", ou seja sem cobertura ou vigilância paternal. Quanto à parte negativa, além de deixar 20 anos de convívio familiar, seria uma suspensão ou o afastamento das muitas amizades até então adquiridas e mantidas, sem esquecer a parte mais afectiva, a que dedicava um carinho especial desde há uma boa meia dúzia de anos, num convívio pessoal, directo, quase diário e sem contratempos.
No aspecto religioso, escapara a tentativas familiares (meus pais não eram também muito ligados a esse assunto), tendo-me ficado apenas pelo baptizado a que "fui obrigado" em PORTO ALEXANDRE com um ano de idade! Mas, durante um certo período, até ia à igreja e algumas reuniões de catecismo, mais pela oportunidade de contactar com as raparigas conhecidas e em especial com uma delas, caso antigo, para a acompanhar no final até sua casa, situação encarada como normal dada a profunda e antiga amizade de nossas famílias.
Iria sentir bastante a falta de todos esses contactos e relacionamentos pessoais, alguns quase íntimos, mas a esperança e a ansiedade de finalmente conhecer e "entrar num mundo novo" que ainda desconhecia por completo e de que ouvia histórias interessantes, acabava por reduzir as desvantagens apontadas. Iria terminar também com a passageira e ultrapassada relação com a LEONILDE (uma moça recatada, um tanto envergonhada) há pouco chegada com seus pais, familiares dum nosso vizinho e onde se haviam instalado, precisamente por detrás dos nossos anexos; na nossa parte do telheiro havia o já referido portão de zinco que dava comunicação para um pequeno espaço ao fundo do qual, em baixo, corria a levada; o mesmo acontecia do lado onde ela passara a residir. Foi aí que se iniciaram os primeiros "passos" (em contactos visuais) dessa nossa relação afectiva, não obstante outros sentimentos paralelos e próximos! Posteriormente, os seus pais haviam-se mudado para uma outra residência num bairro ao alto da estrada que passava pela "Ponte do Chouriço". A partir desta, em direcção aos nossos anexos e aos desse nosso vizinho, havia um carreiro comum pelas hortas e o pomar da nossa senhoria; foi por aí, meio encoberto pelos pessegueiros, que comecei a esperá-la todos os dias a seguir à hora do almoço, quando por ali passava a caminho da casa de sua prima, seguindo depois ambas para o Colégio das Madres. Nesse seu último percurso, que também era parte do meu, continuava a nossa conversa. Entretanto, depois, passei a ir esperá-la um pouco mais abaixo, já num parapeito da referida ponte, onde conversávamos durante alguns minutos à sombra duns plátanos. Porém, um dia e a essa hora, o que não era habitual, seu pai passou por ali de bicicleta e surpreendeu-nos nesse encontro, ficando pouco satisfeito! A partir desse dia os nossos contactos foram-se reduzindo e o tempo tratou de os anular, como já acontecera nalguns outros casos !
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O "Tempo", sempre o "Tempo", o nosso grande Mestre e indomável destruidor de tantos sonhos e planos!
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==(Para recordar as belas paisagens do nosso Sul de Angola, recomendo uma "outra viagem" através dum excelente "sítio" -- -- basta clicar em :

www.hunakulu.blogspot.com/

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--- "ANGOLA -- UM PASSADO SEMPRE PRESENTE -- MEMÓRIAS" -----

--- 3ª PARTE - (JANEIRO/DEZEMBRO DE 1953 -- LUBANGO e LUANDA)--


-- JANEIRO -- Com a ida para o serviço militar, em LUANDA,começara um novo ciclo na minha vida. A viagem inicial era pela "carreira" da firma onde trabalhavam os meus tios, JOÃO CORREIA (nesta altura apenas nas Oficinas,onde era o respectivo chefe)e JOSÉ DA CRUZ.
O nosso grupo era composto por diversos colegas do Liceu "DIOGO CÃO", todos com o 5º ano completo, habilitação mínima exigida para o Curso de Sargentos Milicianos na Escola de Quadros Militares (EQM), incluindo alguns com o 6º ano e outros já com algumas cadeiras do sétimo ano; seguiam ainda colegas com o 7º ano completo para frequentarem nessa mesma Escola, o Curso para Oficiais Milicianos. Éramos assim todos colegas daquele Liceu e por isso já conhecidos.
Essa primeira etapa terminava, já noite, em NOVA LISBOA; logo depois de nos termos instalado no HOTEL COELHO, demos umas voltas ali pela "Baixa" da cidade, ainda desconhecida para alguns, como era o meu caso. Nas imediações do Cinema RUACANÁ e do Grande Hotel havia bastante movimento. Não nos devíamos alongar pois no dia seguinte, bem cedo, num outro autocarro e com mais alguns companheiros daquela cidade, prosseguiríamos a nossa viagem a caminho do norte.
Fomos apreciando as férteis terras do BAILUNDO, as escapadas serras do LUBIR e muitas outras que se seguiam numa paisagem maravilhosa , deslumbrante, mas já bem diferente dos planaltos da HUÍLA e HUAMBO. Aproximava-se a hora do almoço que nos esperava numa modesta Pensão da QUIBALA.
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--- Partíamos de novo por entre outras serras e picos agrestes. Em certas zonas, por entre altas árvores ou rasteira vegetação, espantavam-se diversos animais bravios ou grandes aves, surpreendidas pelo roncar do autocarro, trepando a custo; as estradas não permitiam grandes velocidades e os solavancos agitavam-nos todo o corpo. No entanto íamos encantados e bem dispostos. Para a maioria de nós era a primeira saída da "terrinha" e do lar paterno, tendo pela frente uns largos meses de uma outra disciplina, mas também de uma certa e mais ampla "liberdade" e o enorme desejo de conhecer finalmente a "grande cidade" ou a "cidade grande"!
Alguns dos colegas do 5º ano haviam sido transferidos do Liceu "SALVADOR CORREIA", de LUANDA, para o de SÁ DA BANDEIRA, talvez pelo seu conhecido ambiente académico, tradicional e do ameno clima do nosso planalto ou ainda na esperança de ali conseguirem obter melhores resultados. Deles ouvíramos contar "maravilhas" da cidade de que se haviam afastado, das suas enormes potencialidades e das novidades, especialmente duma razoável e segura vida nocturna, talvez com alguns exageros ou "petas" à mistura, tentando enganar os "caloiros" !
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--- A segunda noite de viagem foi passada numa outra Pensão, em CALULO. Tinha uma fraca apresentação, tipo "colonial" e já bem antiga por certo mas nem havia lugar a reclamação; era "à conta do governo" e recruta nem tinha direito de protestar : aceita por disciplina e critica em voz baixa! O calor ia aumentando à medida que avançávamos em direcção ao norte e, nem só por isso como pelo fraco aspecto dos quartos, preferíamos ter dormido na sua larga varanda, toda aberta. Porém, os mosquitos não nos largavam e não permitiam essa alternativa, sendo obrigados a refugiarmo-nos. Era conveniente dormir algumas horas pois logo bem cedo prosseguiria a viagem nesse mesmo transporte. Com um "mata-bicho" reforçado estávamos aptos a enfrentar mais umas centenas de quilómetros na nossa enorme e maravilhosa ANGOLA.
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--- Eram serras e mais serras, descidas e subidas de respeito, com curvas e precipícios de fazer suspender a respiração; lá bem no seu fundo corriam pequenos ou maiores rios, despenhando-se mais abaixo em maravilhosas quedas de água espumante!
Lá seguia o nosso poderoso e danado autocarro. Além dos habituais passageiros, já com a lotação esgotada, ainda transportava as "malas de correio" e bastante carga que ia recebendo ou descarregando em diversas e longínquas povoações ; para muitas destas era a única e imprescindível ligação normal com o "mundo exterior"; dela dependia em muito a sua sobrevivência económica e mesmo a humana! O calor aumentava à medida que o dia crescia; ao maravilhoso e espectacular nascer do sol, com vermelhos e amarelos amortecidos no horizonte, sucedia um azul límpido e brilhante. Novas mudanças da paisagem desfilavam perante a nossa vista sequiosa e de ambos lados daquele nosso miradouro em movimento lento. Nalgumas pequenas serras com árvores de fraco porte, quase desnudas, saltitavam inúmeros e pequenos macacos, já famosos naquela região, nem se livrando da fama de serem bons em fartas caldeiradas, servidas aos passageiros e clientes das bem antigas pensões, com aspecto colonial, que nos esperavam mais adiante!
Estávamos a chegar ao "forno" do DONDO e eram quase horas do almoço; alguns clientes mais experimentados diziam, com ou sem razão, que nos quintais de algumas dessas pensões havia "montes" de pequenos ossos, estorricados por um sol abrasador! Pobres bichos que ali terminavam suas macaquices e os saltos constantes de ramo em ramo, indo cair nalgum prato e reconfortando um esfomeado cliente!
Depois dum lauto almoço, sem saber ao certo da sua proveniência, ainda tínhamos mais uma longa e cansativa viagem a nossa espera. Prosseguimos no mesmo autocarro que então nos transportara até atingirmos uma ligação por via ferroviária (em CASSOALALA) para um desconfortável e desconjuntado comboio que percorria esse ramal até à ZENZA DO ITOMBE.
Trazia já as poucas carruagens superlotadas, com diversificados passageiros e as suas impensáveis "bagagens" a caminho do mercado. Ao seu interminável papagueado, juntavam-se os barulhos insuportáveis das muitas aves e animais domésticos, vivos, atafulhados em apertadas gaiolas, travadas entre as pernas, cestos de cordas e doutras origens naturais que com o aumentar do calor empestavam tudo, agravando-se o seu cheiro intolerável. Numa antecipada democracia, aquele comboio de "rodas quadradas" não tinha classes diferenciadas! A sua marcha em certas subidas mais acentuadas era tão lenta que nos permitia um acompanhamento a pé; o desgraçado quase necessitava de ser empurrado ! ; por vezes fazia ligeiras paragens, recuava um pouco, enquanto a máquina resfolgava e, com mais uma carrada do económico combustível natural, lá alcançava mais uns poucos de quilómetros! Não bastando toda a carga inicial ainda ia fazendo paragens nalgumas pequenas povoações onde dezenas de novos passageiros com suas cargas, tentavam introduzir-se no meio das já tão abarrotadas carruagens!
Finalmente chegámos ao esperado destino daquele desgraçado transporte, na ZENZA DO ITOMBE e aí mudámo-nos para uma outra carruagem do comboio da linha de MALANGE; esse já era mais espaçoso, rápido e com muito melhor apresentação; a sua atmosfera estava menos poluída. Além da maioria dos passageiros e mercadorias, lá ficaram os porcos, galinhas, cabritos e toda uma panóplia de artigos para o mercado (feira). Já era possível respirar melhor sem o perigo de encher os nossos pulmões com pestilentos aromas enquanto o calor começara a abrandar mercê da influência duma aragem marítima. Novos cenários nos surpreendiam pela frente, depois de ultrapassada as verdejantes baixas do rio CUANZA. Surgiram os agrestes e arenosos terrenos doutra nova região mas aumentava a nossa expectativa ao aproximar da capital, da sua linda baía e da Ilha ("das CABRAS") com imensos coqueiros, onde PAULO DIAS de NOVAIS aportara em 11 de Fevereiro de 1575.
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--- LUANDA(S. PAULO), a "cidade grande", antiga, com séculos de história, fundada em 1576, esperava-nos com uma mais reconfortante paisagem nesse início duma nova e importante etapa de nossas vidas; aquele novo ano não me assustava. Para mim, LUANDA, ainda desconhecida, era principalmente uma cidade histórica, certamente com muitos segredos ainda por explorar, com muitos conhecimentos para fornecer a quem lhe dedicasse atenção e cuidadosa observação. Era o que pensava aproveitar; tinha desenvolvido os meus conhecimentos históricos muito além do que vulgarmente nos ensinavam na Escola e no Liceu; parece que sempre estive ligado a esse ramo do saber e ainda às designações dos Estabelecimentos por onde havia transitado na minha juventude : Escola "LUÍS DE CAMÕES"(no LUBANGO), Escola "PINHEIRO CHAGAS" (na CHIBIA), Liceu "DIOGO CÃO" e Colégio "INFANTE SAGRES"(no LUBANGO).
--- LUANDA era, talvez, como que o "centro" dos conhecimentos acumulados durante séculos em ANGOLA. A sua grandiosa Fortaleza de S. MIGUEL, os seus diversos Fortes e fortins, as antigas instalações militares e religiosas, as suas belas igrejas, os diversos monumentos, eram por certo boas fontes de esclarecimentos. Ali estava uma óptima oportunidade a não desperdiçar; era necessário colher de tudo isso o maior e melhor proveito possível. Era um desafio que me aguardava, que me impulsionava sem temer contrariedades!

---A noite já descia sobre a cidade e o nosso último transporte aproximava-se da zona do BUNGO ("MÃE IZABEL"). Surgiam mais brilhantes as luzes por toda a imensa baía e pela parte baixa da cidade; o movimento ferroviário também era imenso ali perto do porto marítimo com os altos guindastes em movimento quase permanente. Estava assim de facto terminada aquela última parte da nossa viagem e iria começar uma nova vida. Para quem pudesse aproveitar, tinha ainda a alternativa dum fim-de-semana de folga ou então a de se apresentar de imediato, a caminho da caserna!
A Escola de Quadros Militares (EQM) estava situada ao lado do Palácio do Governo-Geral, na "Alta", separada por um muro bastante elevado e comum. Defronte estava um imenso e vistoso Largo, ladeado por diversos e antigos edifícios públicos e religiosos com muitos anos de história, embelezados por jardins e "pérgolas" floridas.
Naquela estação tinha à minha espera as primas, MENICHA e ANITA com um carro do KEISS (VAN DER KELLEN -- ainda ligado à família). Eu era quase como uma "novidade" pois, como disse, na família recente era um "magala" raro! Conduziram-me a casa dos seus pais : minha tia-avó, CASTORINA (COSTA ALEMÃO), era irmã de minha avó HERMÍNIA e casara com o capitão ALBERTO ABREU COUCEIRO, então reformado, que fora Comandante da Fortaleza de S. MIGUEL e que ficou radiante com um novo "militar" na família. Fiquei instalado numa mansarda, com um bom quarto e uma varanda debruçada sobre a Avenida do Hospital; o prédio fazia gaveto com a Rua Alexandre Peres, defronte dos Serviços de Instrução e, um pouco mais abaixo, ainda desse mesmo lado, estava o grandioso Cinema "RESTAURAÇÃO". Ali passei um fim-de-semana em beleza, como despedida da vida civil, tendo sido apresentado à restante família residente na capital, os primos : ALBERTO, sua esposa ALICE (e a prole) e o VIRGÍLIO, residentes no Bairro da SAMBA; com as primas (solteiras) ainda assisti a uma sessão no "RESTAURAÇÃO".
-- Essa rua designada ALEXANDRE PERES, homenageava um concessionário da construção e exploração do Caminho-de-Ferro de LUANDA/AMBACA, iniciada em 25/9/1885 e ainda das obras do Abastecimento da água do rio BENGO à cidade de LUANDA (conforme Decreto de 12/12/1885).
-- Ali bem próximo, defronte dum largo triangular, estava o edifício do Quartel-General, onde o toque de içar da bandeira logo pela manhã cedo, me alertou que eu era apenas um "transitório civil".
Na segunda-feira, bem cedo, meu tio prontificou-se a acompanhar-me até à Escola de Quadros e para apresentar-me ao sub - comandante, capitão CAMILO REBOCHO VAZ, por ser do seu conhecimento e que seria meu professor e um dos instrutores. Ainda tentei recusar essa oferta. Houve umas piadas do resto da malta por causa dessa presença, mas o meu tio, com seu espírito jovem e galhofeiro logo venceu essa barreira. O "nosso" capitão REBOCHO seria efectivamente meu professor nalgumas disciplinas no Curso de Secretaria, (Amanuense), por isso os outros colegas do curso normal (Instrução Militar) logo nos baptizaram de "máquinas".
-- Depois da habitual "rapadela" do cabelo com a máquina zero, em fila prolongada, avançá-mos em direcção ao "bate-chapas". Seguiu-se então a distribuição do respectivo fardamento, normal e suplementar, segundo o "cardápio" do "nosso" sargento PEREIRA. Foi executado em série, sem atenderem a medidas nem tamanhos em relação às nossas alturas, até nas grossas botas cardadas; depois, cada um que se "desenrascasse", fazendo trocas uns com os outros. Algumas das "balalaicas", apertadas, cor do morro de salalé, terminavam um pouco mais abaixo da cintura e, com os calções a darem muito além dos joelhos, ficavam mesmo a matar, valendo a boa disposição e piadas gerais; as cuecas então, de tecido bastante grosseiro, tipo lona, mantinham-se de pé sozinhas, sem qualquer "recheio" lá por dentro; outros, com meias altas a meio da canela e os bivaques no alto da cabeça, completavam aquele quadro bem cómico : um autêntico desfile de disparatados modelos! Cada qual lá tentou remediar essas deficiências, alguns até de agulha e linha nas mãos desajeitadas! Assim, equipados o melhor possível (quase impossível), lá seguimos a toque de corneta para a primeira formatura e revista geral; muitos fomos os despachados de novo para a nossa caserna (A), bem como das outras(eram 4 na totalidade), para recompormos algumas falhas detectadas pelos rígidos tenente MADUREIRA e alferes PIRES; umas eram por falta de botões ou botões mal pregados, sapatos desapertados ou pouco brilhantes, barba mal feita e outras pequenas coisas que nos pareciam insignificantes; ficávamos logo a saber que havia uma certa severidade, e que, na tropa, como noutras situações, a primeira impressão é a que mais conta. Os "faltosos" regressavam a nova "inspecção" ainda na parada. Cada grupo (pelotão) foi apresentado aos respectivos instrutores com as convenientes chamadas de atenção e correcção. Iria começar a "recruta"; mesmo os candidatos ao Curso de Oficias, ali todos em conjunto, teriam como instrutores os mesmos Furriéis, Sargentos e Oficiais que a restante "magalada" durante os primeiros dois ou três meses, até à passagem a "prontos". Éramos cerca de 200 alunos; seguimos então, em fila e sob novo toque, para a entrada do refeitório, onde nos fomos instalando em compridos bancos e mesas, no centro das quais já se encontravam umas grandes terrinas cheias de fumegante sopa de feijão vermelho. Depois da entrada e apresentação do "oficial de dia" e da sua "inspecção" às panelas, foi-nos dada permissão para o início da lauta e já esperada refeição. Após aquela grossa sopa surgiram grandes travessas com a tradicional feijoada da tropa para assim nos habituarmos logo à convivência com aquele fortificante prato. Para animar e ajudar a sua digestão surgiram também uns altos jarros metálicos com o castiço vinho tinto, famoso por já ter passado por diversos "baptismos". No entanto o bom apetite e a secura daquela quente manhã não deram tréguas à farta refeição. Quando muitos aguardavam uma saborosa e fresca sobremesa, surgem novas terrinas metálicas, distribuídas com certos intervalos, bem atestadas de batatas cruas, meio lavadas, para serem descascadas! Não havia nada a fazer e tínhamos que adiantar o jantar! Muitos nunca teriam praticado aquela complicada operação, mas com mais ou menos casca, cumpriram-na o mais rapidamente possível até porque de seguida esperava-nos um merecido descanso na caserna.
As nossas camas, metálicas, em beliches de dois "pisos", estavam previamente numeradas; cada um se instalou definitivamente com "armas e bagagens"(as armas estavam, à nossa espera, em suportes colocados a meio da caserna), sem armários e com as malas ou sacos de viagem debaixo, no chão, conforme o número que nos fora atribuído sem sabermos ao certo qual o critério adoptado; o meu era o 170. Todos nós daí por diante passaríamos a ser referenciados pelo respectivo número, ficando o nome à "porta de armas" até acabar o serviço militar! Com o tempo e o hábito, mesmo entre nós, usávamos e conhecíamo-nos mais pelos números. O nosso grupo,(Curso de Amanuenses), era composto por (uma vintena de companheiros -- ver lista geral na parte final--), todos instalados na mesma caserna (A), a qual foi completada por alguns antigos alunos ou soldados que, por vocação ou castigo, já lá se encontravam antes em diversos serviços internos, como era o caso do cabo SÁ, encarregado do Refeitório e Cantina, com quem teríamos de manter boas relações para beneficiar da inclusão na sua lista do indispensável crédito, sem "calotes", a contabilizar mensalmente na altura do "pré".
Os primeiros dias foram passados com certas dúvidas, restrições e contrariedades, não nos sendo permitido qualquer saída da Escola até distinguirmos as diferenças dos diversos postos militares e da correcção como "batíamos a pala", sabendo reconhecer os nossos oficiais quando andassem desfardados, porque mesmo assim não deixavam de ter direito aquela saudação militar. Creio que esse período foi de uma semana, contrariando as nossas aspirações de conhecer a grande cidade e de começar logo a desvendar os seus segredos, parecendo mais uma antecipada punição!
Defronte da Escola (na rua "DIOGO CÃO" que terminava na sua "Ponta") existia um espaço vazio, dalgum antigo prédio que desaparecera e, desse mesmo lado, logo a seguir, ainda se encontrava a famosa "CASA DOS CONTOS"; ali estavam então, instalados alguns Serviços da Fazenda Pública (anteriormente Junta da Real Fazenda, desde o período de 1797/1802, construída em 1731). Para baixo desse espaço vazio, seguiam-se as extensas Barrocas, com um desnível bastante acentuado; desse alto divisava-se a parte baixa da cidade na zona dos Coqueiros (com seu campo de futebol e algumas fábricas, inluindo a do gelo). Mais ao fundo, divisava-se a enorme e linda baía, a ilha até sua ponta onde nos velhos tempos chegaram os nossos ilustres Navegantes e que fora o ponto de partida para o nascer e crescer da futura cidade. Do lado esquerdo, antes da ilha e num alto, podíamos ver a histórica Fortaleza de S. MIGUEL. Mas fora nessa mesma "Ilha" que até ao século XIX se concentravam milhares de escravos e donde eram despachados para as "Américas", em especial com destino aos "engenhos" de açúcar do BRASIL.
-- Eram páginas da História que se abriam perante nossos olhos expectantes ! Era conveniente percorre-las com certa atenção e tempo; essa esperança já eu a mantinha, só restava aguardar pela primeira oportunidade! Ali estava perante o meu olhar extasiado parte do grande cenário com que sonhara!
No fim-de-semana seguinte obtivemos então uma dispensa e autorização de saída, mas sem direito a desfardar! Tal benefício não era ainda permitido a nenhum aluno, o que nos desagradava. Era preciso ter calma e saber aproveitar com cautelas as oportunidades que surgissem enquanto a recruta e as aulas prosseguiam! Estas abrangiam lições sobre :- Secretaria, Topografia, Contabilidade Militar, Dactilografia, Matemática (com Trigonometria), além das normais sobre a "Instrução Militar". Todos os dias era escalado um aluno de cada uma das várias casernas (pelotões) que ficava designado como "aluno de dia" e responsável pela conduta geral ou de alguma saída clandestina, tanto mais que as casernas estavam completamente abertas durante a noite em virtude do seu elevado calor; durante esse período havia também uns turnos de algumas horas em todas as casernas, além do "sargento e do oficial de dia", com vigilância atenta e fazendo respeitar o belo toque do "silêncio"(a partir de uma certa hora),com o respectivo fechar das luzes. Aquele toque era interpretado maravilhosamente por um soldado nativo e até dava "um certo aperto no peito" .(Vou recordá-lo agora, muitos anos mais tarde), pela magnífica actuação de MELISSA VENEMA sob a batuta de ANDRÉ RIEU, bastando apenas clicar em :

www.youtube.com/watch?v=H8twcLDBn90

-- No entanto, no seu interior, logo a seguir começava a "guerra das almofadas" que voavam duns para outros e de algumas partidas feitas às escuras sem que surgissem quaisquer complicações! Bem cedo soava o lindo toque da "alvorada", agradável de ouvir ainda deitados, mas considerado "importuno" !







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--- (Com alguns colegas : -- nas Barrocas, defronte da Escola de Quadros Militares,ao lado da antiga "CASA DOS CONTOS", vendo-se ao fundo o Campo de Futebol dos Coqueiros (Estádio) -- e no páteo interior, junto às casernas e à residência do "nosso" Capitão, CAMILO REBOCHO VAZ, acompanhados pelos seus filhos : TERESA e JOSÉ) -- Fotos do autor --

O "nosso" capitão REBOCHO morava mesmo junto da última caserna, num canto, com sua esposa e filhos, ainda pequenos,que andavam ao colo deste ou daquele colega sem cerimónias; logo a seguir, mais abaixo, em frente ao recinto da parada (pátio destinado à instrução), morava também o "nosso" Comandante, major JÚLIO DE ARAÚJO FERREIRA e a seguir o "Sargento do Rancho". Nesse local existiam umas altas árvores que proporcionavam agradáveis sombras, tendo algumas cordas dependuradas, destinadas a certos exercícios; aí treinava-se o "nosso" major com uma destreza que fazia inveja aos alunos; por baixo existia uma comprida caixa de areia para os saltos em comprimento. Numa parte mais elevada do pátio, e abaixo do largo corredor comum a todas casernas, do lado da entrada geral (onde se localizava a nossa), situavam-se as casas de banho e sanitários. LUANDA atravessava uma grande crise no abastecimento de água na rede pública, vinda então do rio BENGO desde 2/3/1889. Na parte subterrânea desse pátio estavam instalados uns grandes depósitos de água que eram abastecidos periodicamente por um auto tanque militar. Era então elevada para um pequeno depósito mais alto por uma bomba manual, manobrada por uma imensa roda metálica que tinha de ser previamente accionada, depois de umas boas "rodadas" à mão e à vez, pelos seus utilizadores; no entanto havia sempre uns malandros que se introduziam à socapa nos balneários enquanto outros moviam a pesada roda! Depois de posta em movimento tínhamos de ir a correr para nos metermos debaixo dos chuveiros, ou esperar ali até que outros voluntários cumprissem também a sua tarefa! Nos lavatórios a falta de água era bem evidente a tal ponto que, quando não era possível utilizar os chuveiros, tínhamos de conseguir o milagre de fazer as nossas lavagens com pouco mais dum copo do precioso líquido; com o imenso calor e após certos exercícios ficávamos "lavados" com o suor!
O dia começava, bastantes vezes, logo pela manhã e ainda bem cedo, com ginástica no Campo de Futebol, nos Coqueiros. Tínhamos de descer logo ali defronte da "Porta de Armas", pelas Barrocas, deslizando quase até chegar ao fundo onde passava uma estreita rua. Por aí e nalgumas das casas circundantes ainda havia luzes acesas. O pior era o retorno à Escola, lá no alto, também pelas Barrocas. Quando íamos fazer certos exercícios com fardamento e "carga completa" pelas Barrocas do lado posterior, até à "Praia do Bispo", as dificuldades ainda eram bem maiores, tanto na descida como depois na subida e já meio estafados ;era uma verdadeira prova de resistência. De seguida, com ou sem banho, marchávamos para o Refeitório onde nos distribuíam um quarto dum pão grande com marmelada e uma enorme caneca de leite com café. Depois havia um intervalo a que se seguia um outro exercício mais ligeiro ou alguma aula teórica no primeiro andar da Escola onde funcionavam os Serviços de Secretaria, aposentos para o "oficial de dia" e a camarata dos alunos do Curso de Oficiais, futuros "aspirantes", posteriormente alferes.
Nos exercícios de atletismo, no Campo de Futebol dos Coqueiros, obtive bons resultados na prova dos 100 metros. Os treinos efectuados na caixa de areia existente no pátio da Escola englobavam saltos em comprimento e o triplo salto; num deles, quase ultrapassei toda a caixa, mas como pisei o risco da chamada; causei a admiração geral e até o major ARAÚJO, ali presente, mandou-me repetir; o resultado foi quase o mesmo, no entanto dessa vez, fui cair demasiado próximo do lado esquerdo da caixa e esfolei o braço numa ripa que sustinha a areia e tive de ficar por aí! Assim, se calhar, perdi um "recorde", talvez quase "olímpico"!

Os fins-de-semana ia passando em casa dos tios, ABREU COUCEIRO, no meu quarto com uma bela vista da cidade alta; dali, bem regalado, apreciava o render da guarda e o "arrear" da bandeira no Quartel-General (no local da antiga "Porta dos Negros"), com um ritual e cerimónia interessante que sempre despertava a atenção e o respeito de quem por ali passava naqueles momentos. Muito embora não estivesse ainda autorizado a "andar à paisana", mesmo durante os fins-de-semana, por vezes arriscava nas idas ao cinema "RESTAURAÇÃO" e ao "NACIONAL" (inaugurado em 1932 e onde o meu tio havia sido gerente durante um certo período e após se ter reformado; era estimado pela malta miúda a quem às vezes facultava umas "borlas"). Normalmente ia com as minhas primas e tinha de estar bem atento, à entrada, saída e durante os intervalos, não fosse andar por ali algum dos oficiais lá da Escola, mesmo em trajo civil. Quanto mais o tempo ia passando, mais facilidades teriam de nos reconhecerem. O outro cuidado e atenção que devíamos ter, mesmo fardados, era o de os identificar a tempo de "bater a pala", a que tinham direito mesmo sem farda. Aos sábados ou domingos, da parte da manhã, costumávamos ir até à SAMBA, onde residiam os primos, ALBERTO e ALICE, vizinhos do KEISS (gerente da Casa Americana, onde trabalhava também a MENICHA), seguindo depois até às belas Praias que ali existiam. Eram momentos bem agradáveis e que me proporcionavam novas relações e amizades; a MENICHA e ANITA tinham muitos conhecimentos entre a gente jovem, sempre simpática e interessante e que completavam o nosso "grupo". Ao Domingo, à noite, lá regressava eu à caserna para enfrentar mais uma nova semana.
Também neste período e em certas ocasiões fomos a alguns "assaltos" de Carnaval, de que me recordo a presença de suas amigas : MALENA GOMES, SARA CHAVES, irmãs MAGALHÃES BRANDÃO, FERNANDA PACHECO, ESMÉNIA GOMES, GIOCONDA (ALVES - ?, campeã de natação), etc. Recordo-me que um desses "assaltos" se realizou numa residência do Bairro dos Coqueiros, talvez mesmo próxima do seu Estádio. Dos outros, já nem sei, pois ainda mal conhecia a cidade.
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Um dos principais pontos que a "magalada" começara a frequentar na "Baixa" e alguns mesmo durante um tempo razoável, era a "Esplanada da PORTUGÁLIA", defronte à Casa LELLO,(Largo D.  FERNANDO),sob uma majestosa e bem antiga mulemba-("mulembeira"), de tanta importância que estava registada no seguro por uma elevada quantia!. Numa das esquinas, em frente à Farmácia, existia o grande prédio de CARDOSO DE MATOS e onde funcionava a pastelaria e snack-bar POLO NORTE; ali se juntavam diversos oficiais em "comissão de serviço"(em campanha algures !...), repousando calmamente e refrescando-se com espumantes canecas de cerveja intervalada de bom marisco! Lá mais à frente existiam edifícios Públicos bem conhecidos : - Escola Comercial, Liceu D. JOÃO II, Palácio do Comércio, Colégio Familiar. Do lado oposto situavam-se algumas antigas igrejas.
A certas horas do dia ou da noite, a "PORTUGÁLIA" ficava repleta de fardas amareladas, em mesas cheias de chávenas de café (vazias, bem escorripichadas) e do respectivo copo de água, simpaticamente servidos pelo bem conhecido e respeitável ALBANO, sempre impecável na sua farda de trabalho; ele já fazia parte da "Baixa" e às tantas até sabia o nome de alguns dos seus mais habituais clientes, mas muitos mais teria ainda de fixar com aquelas "nuvens de magalas". Ali passava horas quem não tinha outras preferências ou mesmo mais para onde ir! Talvez por falta de incentivos ou de fundos para se aventurar a "levantar voo" para outras paragens de menos movimento, mas com outras vantagens. De início comecei por fazer umas digressões nocturnas com um ou dois camaradas mais amigos, percorrendo ruas e vielas da antiga "Baixa" ou duma parte da "Alta", passando a conhecer os seus bem antigos nomes e a saber a que personagens ou factos históricos estavam relacionadas. Muitas dessas vielas eram de "calçada à portuguesa" e com iluminação deficiente, proporcionada por antigos candeeiros de ferro forjado; podiam ser locais frequentados por indivíduos de comportamento ou em estado duvidoso, nem sempre de confiar! Era bom não andar muito por ali sozinhos, embora o certo respeito que a farda impunha; valia-nos a hipótese de não tentarem conflitos, sabendo que os "magalas" não costumavam andar muito dispersos e havendo a possibilidade de logo surgirem mais alguns. Um dos "segredos" que logo nos ensinaram para uma defesa de emergência, foi o do recurso ao nosso grosso cinto com uma enorme e ameaçadora fivela; a sua outra ponta era cruzada e bem apertada na palma da mão, sendo difícil de ser retirado; em locais mais duvidosos era usado por cima dum cinto normal, estando assim sempre disponível como arma de defesa para uma emergência!
No entanto noutros locais de menor risco e sempre que tinha outros interesses, preferia dar umas voltas solitárias. Além da freguesia na "PORTUGÁLIA" a rapaziada espalhava-se ali pela "Baixa", por alguns outros cafés ou cervejarias (POLO NORTE - BIKER - GELO - BIJOU ou mais adiante na esplanada do "BALEIZÃO", etc.) ou circulando pelos largos passeios, apreciando as grandes e bem iluminadas montras (LELLO - FOTO SPORT - CASA DA SORTE - CASA CAMPIÃO - ARMAZÉNS DO MINHO, e muitas outras então existentes). Havia também quem preferisse zonas mais frescas, seguindo das esplanadas pelo "Largo Pedro Alexandrino da Cunha" (cuja estátua fora ali inaugurada em 21/5/1871 e a sua construção custou 1.212$700 réis, suportados por uma subscrição pública encerrada desde 4/12/1866!), ou ainda para as "Portas do Mar" (na nova Avenida Marginal, PAULO DIAS DE NOVAIS, onde existia, desde 1936, uma cópia do antigo Padrão que DIOGO CÃO mandara erigir na "PONTA DO PADRÃO"); outros vagueavam pela marginal da maravilhosa baía onde centenas de palmeiras pareciam estarem "perfiladas" que nem militares em serviço e "...batiam suas palmas"...(como dissera o Poeta VIEIRA DA CRUZ ?) referindo-se a QUICOMBO, numa simbólica recepção aos novos visitantes. Muitos dos bancos dispostos ao longo dos largos passeios, se enchiam de fardas amareladas e outros com civis aos pares, olhando as estrelas ou a lua que despontava sobre o horizonte e depois se espelhava numa longa e ondulante extensão.
Com o aproximar da hora do recolher ia diminuindo a presença habitual e pacífica desses novos visitantes; retemperadas as forças, alimentadas as recordações familiares ou sentimentais deixadas a centenas de quilómetros, adquiriam novas energias para trepar pela RUA DO CASUNO (terminando na RUA DO SOL) ou pela CALÇADA DE SANTO ANTÓNIO (antiga "Calçada Velha") até atingir o bonito "LARGO DO PALÁCIO"; também era conhecido por "PRAÇA DO PALÁCIO" ou ainda "LARGO D. PEDRO V", desde 17/2/1854; depois foi designado ainda por "LARGO SALVADOR CORREIA (em 1874) e por "PRAÇA D. PEDRO V (em 3/9/1924). Mas, muito antes, ainda no século XVII, era a "PRAÇA DA FEIRA". Ali costumava actuar a Banda de Música de Caçadores nº 2, cobrando 40$000, quer fosse em bailes como em funerais! Das suas elegantes pérgolas podia-se apreciar a maravilhosa baía e os milhares de pontos luminosos duma parte da "Baixa". Um outro ponto de encontro era nas paragens dos maximbombos no LARGO DA MUTAMBA (antiga "QUITANDA DA FAZENDA").
Outras vezes, para quando nos arriscávamos a desfardar, tínhamos descoberto o local ideal : no "JARDIM DA ALTA" (ou "JARDIM DE SANTO ANTÓNIO"), gradeado, onde um solícito guarda-nocturno local nos franqueava o seu acesso para uma rápida mudança de vestimentas! Retirávamos a "balalaica" amarela que cobria uma camisa de manga curta, bem como ainda os compridos e folgados calções da tropa, ficando com uns nossos que já estavam vestidos por baixo, mais apresentáveis e normais; combinada a hora por ali voltávamos depois para a operação inversa! Mesmo já depois de algum tempo de serviço militar era uma violência não nos permitirem o uso nocturno da nossa roupa civil, mesmo até nos fins-de-semana. Todos nós possuíamos um certo nível de "preparação", habituados a meios "civilizados", não éramos nenhuns condenados nem mal comportados socialmente, porque razão essa exigência desumana do uso permanente da farda ? Ainda por cima as fardas, dum modo geral, ficavam-nos tremendamente mal ! Eram decerto confeccionadas por costureiras mais baratas, desalinhadas e com números inadequados; aquilo era uma danada tortura. Com o reduzido pré que então auferíamos a manutenção desse equipamento era entregue a um soldado qualquer (um lavadeiro) que logo nos aparecera no início da recruta para prestar os seus indispensáveis serviços uma vez por semana, sendo portador na sua recolha e entrega; como normalmente tinham mais do que um cliente e sendo as fardas todas iguais, apareciam-nos trocadas, obrigando-nos a marcá-las; era então até engraçado ver a malta de agulha e linha nas desajeitadas mãos gravando o seu número de identificação à excepção das cuecas de lona, teimosas peças que se mantinham de pé, que foram logo recolhidas e substituídas pelas do "enxoval" caseiro.
O miserável pré, de duzentos e poucos angolares, ou o seu reduzido saldo era recebido na Secretaria onde o "nosso" capitão REBOCHO tinha uma lista das dívidas, que o amigo SÁ havia fornecido pelos créditos na Cantina, bem como uma outra sua, pessoal, dos calotes que alguns lhe iam pregando em empréstimos ou adiantamentos que faziam, aflitos ou não, por vezes já transferidos doutros anteriores pagamentos com a sua amável condescendência. Nem se sabe quantos terão ficado eternamente adiados!
Quando havia algum exercício mais violento ou alguma saída para o exterior, em marchas ou operações simuladas, lá seguia à retaguarda, ou já nos esperava no local apropriado, um camião militar com o respectivo "serviço de bar"! Este era composto por alguns grandes tambores metálicos de 200 litros com barras de gelo e cheios de refrigerantes (sem bebidas alcoólicas). Mais depressa se esgotava o pré.
Muitas vezes me valeram as encomendas que minha mãe tinha o cuidado de preparar em pequenas cestas que o meu pai despachava pela DTA; uma sua Agência ficava situada também próximo do Estádio dos Coqueiros; ali me deslocava geralmente com o colega FERRAZ DA SILVA e algum outro (MEDEIROS), para efectuar o seu levantamento e, quando já subíamos pelas Barrocas a caminho da Escola, fazíamos uma paragem a meio desse trajecto para abrir a cesta e escolhíamos o que mais nos interessava, até porque já sabia que, ao entrar na caserna, seria uma ataque geral e imediato do qual mais nada restaria, recordando os ataques dos gafanhotos vermelhos! Fazia sempre bastante jeito uma "notinha" que lá vinha bem escondida!
A casa dos tios (ABREU COUCEIRO) ficava, como referi, num gaveto da Avenida do Hospital com a Rua Alexandre Peres; esta estendia-se até a Avenida Serpa Pinto, prolongando-se do outro lado até à velha Estação Ferroviária da MAIANGA (antiga abegoaria --granja -- da Câmara Municipal de LUANDA, inaugurada em 31/10/1888); havia ali mais algumas ruas e travessas por onde eu costumava deambular à tardinha ou mesmo já de noite. Certo dia em que tinha chegado ao porto (em viagem inaugural), um dos nossos belos navios, sendo permitido visitá-lo e fazer compras, alguns colegas da nossa caserna, mais abonados, logo se entusiasmaram com essa deslocação; fui dos poucos que tive de ficar nas "encolhas". Decidi ir fazer uma das minhas já habituais voltas solitárias e, nem sei porquê, dirigi-me para os lados da casa dos meus tios mas continuei o passeio pela referida rua, seguindo em frente, rumo à antiga Estação. A certa distância, não vou mencionar qual, passei por um portão duma garagem onde se encontrava uma moça conversando com um serviçal da mesma casa; notei que qualquer coisa estava no ar; dei mais alguns passos até à esquina e ali estive um pouco, saboreando um triste cigarro. Pouco fumava, mas, na tropa depressa se apanham certos vícios que convinha reduzir, até porque nem havia verba suficiente para o manter; voltei atrás e cumprimentei-a para perguntar por uma qualquer morada, então inventada (pretexto já muito batido!). A moça mostrou-se um pouco confusa, (não sei qual dos dois estaria mais) mas respondeu com simpatia; nem todas apreciavam os tristes "magalas", tendo até receio de lhes darem conversa! As trocas de palavras foram-se alargando até com o apoio do simpático serviçal, desejoso de saber donde eu tinha surgido! Assim, a conserva se alargou e ficou posta a hipótese de poder voltar no dia seguinte e à mesma hora. Como era simpática e com uma apresentação bastante agradável não iria certamente desperdiçar aquela oportunidade, quase caída do céu! Quando os meus colegas chegaram de regresso da visita ao novo navio, já bem alegres, encontraram-me também com uma óptima disposição, mas sem revelar a sua causa.
Como ficara previsto, no dia seguinte voltei a fazer nova caminhada para os lados da dita Estação. Assim continuei os meus contactos com a referida moça (CONCEIÇÃO); era ainda um pouco mais nova do que eu (talvez com 17 ou 18 anos) e com uma agradável conversação. Essa situação estendeu-se pelos dias seguintes. Seus pais viviam próximo da cidade e ela prestava ali serviço em casa dum casal já de certa idade e muito bem colocado na vida (social e financeiramente)! Era assim uma simpática companhia e surgida na hora certa, aliviando-me de certos momentos menos felizes. No entanto, para evitar qualquer conflito, tínhamos de manter um certo recato, respeitar as horas em que ela estava livre e aproveitar a ausência diária dos seus patrões, por vezes entretidos em prolongadas reuniões sociais, comuns em LUANDA (antiga).
Esta agradável situação manteve-se durante largo tempo, por vezes com alguns momentos inesperados, em que era conveniente ter... "olho vivo e pé ligeiro"...
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-- Um dos episódios pouco agradáveis surgido ao terminar do Curso prático, foi a marcha final que fizemos, durante três dias, ao CACUACO e com diversos exercícios, diurnos e nocturnos, incluindo o de "fogo real". De dia o calor era enorme e à noite os danados mosquitos não nos largavam, mesmo com fogueiras em frente das pequenas tendas e com mosquiteiros no interior! Em consequência das marchas e desse calor fiquei com uma virilha bastante afectada, tendo de meter dispensa dum dia para ficar deitado e em tratamento. Foi a única que utilizei durante quase um ano e lá ficou averbada na caderneta !




-- O nosso acampamento no CACUACO durante os 3 dias da "marcha final" -- (Fotos cedidas amavelmente pelo colega de Curso e companheiro JOÃO M. MANGERICÃO -- "NECO" --

-- Nem tudo correra sem alguns incidentes numa ou noutra caserna. Um desses, que acabou por ter uma certa graça e tolerância do respectivo "oficial de dia", aconteceu quando um "desconhecido atrevido" resolveu um dia entupir a corneta com miolo de pão, bem calcado, antes da hora de tocar para o silêncio; mas, afinal, o grande silêncio foi mesmo o do corneteiro de serviço que bem se fartou de soprar sem conseguir qualquer som, perante o gozo da malta feliz da vida.!
Mas muito pior, mais grave, foi quando localizaram uma manobra forçada contra a situação política e militar, com comparticipação de alguns dos nossos companheiros (doutras casernas), tendo havido um desvio sistemático das munições que normalmente se utilizavam nos exercícios e até mesmo de algumas armas. O "nosso" capitão REBOCHO, sempre com grande diplomacia e o bom senso com que orientava a rapaziada, já que o próprio Comandante poucas vezes estava presente, aconselhou aos "prováveis implicados" que aproveitassem a oportunidade de, pela calada da noite, devolverem pelo menos as munições que ainda tivessem em seu poder, sem que ficassem sujeitos a quaisquer consequências disciplinares; a sua sugestão deu realmente grande efeito e muitas dessas munições surgiram então em cima da sua secretária sem se saber quem tinham sido os seus portadores! No entanto havia por detrás disso um macabro plano alimentado por alguns, certamente com interferências exteriores, atingindo proporções demasiado graves, inclusive com recurso à mão armada e assaltos bancários já planeados. Tudo acabou por ser descoberto e os implicados foram julgados e condenados pelo Tribunal Militar, situado na rua da MISERICÓRDIA. Felizmente não houve nenhum dos nossos colegas de caserna que estivesse abrangido nessa destemida manobra. Não deixou de ser uma nódoa negra sobre a Escola que se mostrara com bom nível.
Esses treinos de fogo real, com alvos ou em acções simuladas, algumas nocturmas, constituíam para mim, uma das menos agradáveis obrigações, tendo até certas dificuldades visuais, o que me afectou um tanto na média geral.



--- Dia do Juramento de Bandeira (no Páteo de instrução) -----



--- (Em primeiro plano : alferes... (?) - major JÚLIO ARAÚJO FERREIRA - capitão CAMILO REBOCHO VAZ -- tenente GOUCHA) --- . Terminara o período do Curso propriamente dito e tínhamos de passar ao estágio para o qual havíamos sido preparados e em que obtive uma razoável classificação. Já éramos menos do que os iniciais, pois alguns conseguiram obter uma "alta" médica e foram dispensados do serviço militar. Passamos então a depender directamente da "Formação do Comando", pertencente ao Quartel-General do Comando Militar de Angola e onde se encontrava o tenente (FILIPE ?)CASCAIS, casado com uma minha prima, da parte da família SIMÕES DE ABREU. Fomos destacados para a Secretaria dos Serviços de Recrutamento e Mobilização Militar, situado na MAIANGA. No entanto não nos foi permitido sair da Escola ("desaranchar"), continuando na nossa caserna (A), enquanto a totalidade dos restantes alunos das outras casernas foram transferidos ou destacados para novas unidades. Assim, a Escola era a nossa residência oficial e só ali continuou a permanecer o "nosso" capitão REBOCHO que era o permanente "oficial de dia"; continuávamos portanto a fazer todas as nossas refeições, muito embora já com outras condições e regalias incluindo as financeiras que teve um razoável aumento( "embora menos" como dissera um dos nossos instrutores, em vez de ter dito "embora pouco"). De resto passávamos a ter um horário normal, com a hora do recolher alargada até mesmo já depois da meia-noite e mais tolerância quanto ao "desfardar".
Quanto ao "rancho", a situação não estava famosa e entendemos que devíamos ter um outro tratamento. Apresentada a questão ao "nosso" capitão REBOCHO; este sugeriu que indicássemos um colega para servir de "sargento do rancho" durante uma semana. Como não surgiu nenhum voluntário, tomou a iniciativa de me nomear. A "maralha" ficou feliz, começando logo a darem-me indicações do que mais desejaram e eu, atrapalhado, sem saber como havia de me safar como "despenseiro". Assim, logo no dia seguinte, colocou-me à disposição uma viatura militar, com condutor e o amigo SÁ, encarregado da Cantina e Refeitório, para as necessárias deslocações e compras (em especial ao Mercado). Foi tudo planeado e executado com certas precauções e dentro dos limites financeiros impostos, tendo resultado em pleno : até refeições de "bifes com batatas fritas", o que antes era um "luxo"! Mas... o êxito teve o reverso da medalha! Logo surgiram estranhas "manobras"... e a semana "gastronómica" não chegou a passar para outro colega, regressando às mão do seu antigo "proprietário"! Ficaram a dever-me um "louvor de economia culinária"...
................................................................ Finda a tarefa ali destinada, fomos transferidos para o Quartel-General, tendo-se formado dois grupos de trabalho. A nossa nova missão foi considerada "altamente confidencial". Dependíamos apenas do Chefe do Estado-Maior, Tenente-Coronel MARTINS SOARES, estando instalados numa dependência, "Secção de Mobilização Automóvel", a que só ele e o General - Comandante Militar, PINTO MONTEIRO, tinham acesso. Um dos grupos foi destacado para os Serviços de Viação (Obras Públicas) e o outro (onde sempre permaneci) nessas instalações do Quartel-General. O nosso serviço era então de : - um grupo fazia a recolha dos dados pessoais de todos os condutores de viaturas ligeiras ou pesadas de toda a Província de ANGOLA, bem como das suas respectivas viaturas e transmitia diariamente para a nossa secção; aí fomos organizando os respectivos ficheiros. Muitos dias tivemos a visita pessoal do referido Tenente-Coronel que nos esclarecia qualquer dúvida surgida e dava o necessário apoio. Embora de fisionomia um tanto ríspida que assustava todos os restantes que lá trabalhavam, connosco era de uma extrema simpatia e correcção, o que talvez fosse causa de algumas invejas. Éramos como que uma elite ou os seus "meninos - bonitos". Foi-nos estabelecido um determinado prazo, (cerca de 6 meses),que era na prática até ao fim do cumprimento do nosso serviço militar. De resto não tínhamos qualquer outra obrigação e continuávamos com os horários normais, mas continuando sempre instalados na Escola.
Essa nossa missão, sem grande esforço, foi concluída muito antes do prazo estipulado, com a maior satisfação do "nosso Tenente-Coronel" que correspondeu com grandes elogios, e, como compensação, não nos seria atribuída qualquer outra missão adicional, não podendo no entanto dispensar-nos totalmente; assim devíamos sair em turnos, sem dar muito nas vistas ou então dispormos das vantagens ali existentes, como por exemplo da utilização duma sala de jogos ou da Biblioteca, o que logo muito me agradou. No entanto, antes disso pediu-me para dar uma certa ajuda na Secretaria onde estavam com algumas dificuldades burocráticas. Em poucos dias prestei a necessária colaboração e ele foi lá fazer uma visita pessoal; os Sargentos e Furriéis ali em serviço pareciam verdadeiras estátuas, tal o temor pela sua presença ! Quando o Tenente - Coronel dali saiu, disse um deles "...eu nem acredito, há tantos anos que cá estou e é a primeira vez que aqui entra um Chefe de Estado-Maior..."!
Por curiosidade devo referir que um dos Sargentos, já com razoável idade, simpático, em serviço nessa Secretaria e com quem tive o privilégio de contactar, sabia de cor grande parte da obra que bastante me cativava e influenciava nas pesquisas que continuava fazendo na Biblioteca : "Os Lusíadas" !
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-- Entretanto os meus encontros com a CONCEIÇÃO (SÃO) tinham sofrido uma interrupção : - sem qualquer referência anterior, havia mudado para uma outra casa.Depois de ter andado por ali à deriva durante uns dias, surgiu o já referido serviçal para me dar conhecimento da razão dessa mudança e prontificando-se para me indicar, cautelosamente, o seu novo local de trabalho, um pouco mais acima, então situado na Avenida BRITO GODINS, quase em frente ao Liceu "SALVADOR CORREIA". Estando por ali a tentar esse contacto surgiu um outro serviçal com um bilhete da SÃO, combinando um encontro para o dia seguinte, quando saísse para ir ás compras. Assim renovamos as nossas relações durante mais algum tempo, já que as folhas do calendário da vida estavam ditando sua sentença.
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-- Cumprido o novo encargo militar, restava-me então aproveitar quanto antes o resto do tempo "em saldo" para me enfiar na Biblioteca. Para minha satisfação e surpresa (mais uma coincidência bastante positiva) fui lá descobrir um "chicoronho" (descendente de "colono" - natural do LUBANGO), CORTE REAL, e que também residira no nosso bairro, próximo da família COUCEIRO; frequentara um anterior Curso de Oficiais, mas um problema complicado (com uma pena aplicada) roubara-lhe essa regalia e estava então ali destacado como responsável pela Biblioteca. Foi um óptimo colaborador nas pesquisas que mais me interessavam e facultando-me as respectivas obras : uma grande parte dos governadores dos distritos e do Governo-Geral de ANGOLA tinham sido militares de altas patentes ou tomado parte em muitas das suas campanhas; desse modo ali estavam arquivados os seus imensos e completos relatórios, numa quase inesgotável fonte de dados! Além disso existiam também muitas e valiosas obras de consagrados historiadores. Só me restava fazer a colheita do que mais me pudesse interessar; não perdi mais tempo, deitei mãos à obra e iniciei uma preciosa recolha que fui registando manualmente. Mas logo me surgiu a ideia, como quando escrevi a prova elogiada pelo professor SÁ, no Colégio INFANTE DE SAGRES, de alinhavar esses apontamentos já sob a forma poética, com carácter de um "poema épico".
-- A sua "estrutura" ficava logo montada; depois, à noite, na minha cama, na caserna, ia fazendo as necessárias correcções sob o olhar indiscreto e curioso de alguns dos meus colegas; nos dias seguintes, já no nosso gabinete do Quartel-General, eu aproveitava as máquinas de escrever, com um tipo de letra bastante reduzido com que preparáramos os ficheiros e que continuavam à nossa disposição, para ir logo passando "a limpo" as estâncias já elaboradas e as minutas das respectivas anotações que as completariam num "futuro" trabalho. Era um plano alimentado há alguns anos, direi mesmo sonhado em longas horas de meditação e que naquela altura tão propícia me desafiava fortemente; tinha tempo, pulso livre e uma fonte quase inesgotável à minha inteira disposição; na maior parte desses dias era o único frequentador da Biblioteca e não havia nenhuma perturbação que me desconcentra-se. Nessas condições obtive uma bela "colheita".
Na caserna, no beliche superior ao meu, estava um colega (JOÃO MANUEL VENTURA MANGERICÃO - "NECO"-) com muita habilidade para o desenho e caricaturas. Do seu posto de observação foi espiando e apreciando o meu trabalho, até que me surpreendeu com uma caricatura que havia feito, apresentando-me como um poeta "laureado, em traje Camoniano", sob a protecção duma musa africana e declamando..." Esta é ANGOLA, Pátria minha Amada"... O resto da rapaziada lá fez os seus comentários mas souberam respeitar a minha concentração e nunca me perturbaram durante as largas semanas em que andei envolvido nessa execução.



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================== "ANGOLA..... - MEMÓRIAS"... - 4ª Parte ======

........ 1953/1954 - (LUANDA / SÁ DA BANDEIRA) .........

Chegava ao fim o meu cumprimento do serviço militar(15/12/1953 e surgia o regresso à vida civil e à casa paterna, no LUBANGO.
Com uma dúzia de colegas do LOBITO, MOÇÂMEDES e LUBANGO, fizemos a viagem de regresso a bordo do vapor "QUANZA" ( ?? ) ; como era considerado misto, portanto de carga e passageiros, só tinha uma dúzia de camarotes, todos de primeira classe ! Por coincidência o seu "Imediato" era o JOÃO PAULO (?) GRILO, ainda com relações familiares, e com o qual havia estado algum tempo a antes na companhia das minhas primas, MENICHA e ANITA. Era mais uma boa coincidência que surgia inesperadamente. Além dos meus colegas só havia uma única passageira e com destino a MOÇAMBIQUE; era uma senhora de meia-idade mas disposta a fazer-nos boa companhia.
O afastar do barco do porto de LUANDA era um espectáculo inesquecível; tudo se ia reduzindo não só física como sentimentalmente ! Para mais longe,distante,ficavam boas e diversas recordações,boas e agradáveis amizades; ficavam as "paixonetas" de ocasião e outras mais acentuadas, como no caso da SÃO, que me "prendera" durante um largo período de tempo, com uma assiduidade agradável e até profunda; era meiga, quase inocente ou ainda num mundo da fantasia e dos sonhos cor-de-rosa; sem dúvida que me deixara algumas marcas profundas, inesquecíveis. Ajudou-me bastante a preencher muitas horas de algum desalento ou solidão.
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A nossa companheira de bordo alinhou numas partidas de cartas e nuns copos de whysky, de "conta da casa" até altas horas da noite. Pela manhã cedo estávamos no porto do LOBITO onde desembarcaram alguns colegas daquela zona. Eram mais uns que se afastavam depois de um ano de convívio diário directo e sem sabermos por quanto tempo!
O movimento do porto era intenso, com ligações rodoviárias e ferroviárias quase permanentes e barulhentas. Era ANGOLA que crescia, intensa, despreocupada com as interferências estrangeiras que pretendiam derrubá-la, que desejavam deitar-lhe a mão, que ambicionavam, escandalosa e vergonhosamente explorá-la, sem nenhum dó nem piedade pelas suas populações pacíficas e trabalhadoras! Só pretendiam os fortes recursos que aquelas terras infindáveis e o seu mar imenso eram capazes de lhes proporcionar para satisfazerem duvidosos interesses. E todos nós, agora acabados de dar o nosso maior contributo para o seu bem estar comum, como muitos outros sempre o fizeram e continuavam fazendo, não passávamos dumas inocentes vítimas, "marionetas" dum orquestração internacional há muito ensaiada e preparada para um golpe de misericórdia, indiferentes aos muitos milhares de crianças e adultos desprotegidos contra esses perigos eminentes. Contudo, ANGOLA caminhava imparável e, aquela LUANDA que havíamos deixado há pouco e este LOBITO de progresso impressionante, eram bem o seu real testemunho !

Mais uma noite fora bem passada a bordo do "QUANZA" (??), na companhia da simpática senhora e do nosso cordial e amigo "Imediato", apenas com uma meia dúzia dos restantes colegas, uns do NAMIBE e os outros, companheiros até ao alto da CHELA.
Ali estava MOÇÂMEDES, a minha terra natal e, por trás, um grande pedaço do desértico NAMIBE, até alcançar o contraforte da Serra.
O desembarque foi feito por intermédio de um "gasolina" que nos conduziu então até à pequena ponte - cais. Novas despedidas dos que ali ficavam e outra mudança de transporte nos aguardava ainda nesse mesmo dia. Seria novamente um comboio a fechar o nosso ciclo de variadas viagens : a velha e fumegante composição que, gemendo, engolindo água e lenha, tinha de vencer a tremenda e impressionante SERRA DA CHELA num desnível superior a dois mil metros (2.320) !
A SERRA DA CHELA engloba os morros de (por ordem alfabética) : "CHAMALINDE" - GARUPUNDA - PEDRA MAJOR - PEDRA GRANDE - PEDRA PEQUENA - PEDRA VERMELHA - QUEIMADO. Tem os principais "PICOS" em: CHAMATUNDO (MORRO MALUCO) - CUANHAMBUA - GANDARENGO ("BIBALA") - GARGANTA - MALUBA - MUNHINO. Serpenteando entre elas ou sendo mesmo suas nascentes existem diversos rios e riachos, assim como toda a imensa área deste distrito, dos quais destacamos :
-- BERO - CANGANDO - CARUJAMBA - CUROCA - CUTO - GIRAUL - MONAIA - TCHIAMBALA ( além dos seus afluentes, sendo todos dependentes da vertente oriental da SERRA DA CHELA).
Quanto à vertente interior (leste) temos : -- CUNENE - nasce no CAHULULO (GAMBA), tendo como principais afluentes : CACULOVAR - CHITANDA - QUÊ - SINDE. Por seu lado, o CACULOVAR tem os afluentes (sub afluentes) : CAPUNDA - COLUBANGO - HUILA(LUPOLO) - MACUFE - MAPUNDA - MONHINO - MUCANGO(CAPITÃO ?) - MUCAPA - TCHIMPUMPUNHIME (ou NEVE e NENE - com FIGUIRA - PALANCA -)
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-- Estávamos na linda "Princesa do NAMIBE" mas nada tínhamos para ali fazer, senão apresentar as guias e requisições para as respectivas passagens na Estação do CAMINHO-DE-FERRO DE MOÇÂMEDES. Assim, como aquele ano, estava chegando ao fim toda aquela bem diversificada missão.
Tinha eu ainda 20 anos e já com o serviço militar completamente cumprido, o que raramente se verificava. O recrutamento era sempre efectuado no ano civil em que se completavam os 21 anos o que, no meu caso, faltavam ainda alguns dias para acontecer !
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-- Mais algumas horas de viagem naquele comboio e chegaríamos ao nosso ridente LUBANGO, sem deixar de apreciar o fantástico e constante panorama que íamos desfrutando ao longo daquela grandiosa Serra e de imaginar quanto terá sido difícil de o fazer antes da existência daquele e doutros meios de transporte mecânicos. Quanto teriam sofrido os antigos colonos e outros viajantes ao treparem aquela imensa muralha pelos seus próprios meios, sujeitos a tremendos e constantes perigos ! Nada disso os assustou em busca daquele desejado planalto e do seu abençoado clima, das suas lindas flores e apetecíveis frutos naturais. Por isso venceram e ali se instalaram para um futuro cheio de esperanças, embora muito imprevisível ! Um abraço final para os já poucos acompanhantes após um ano de permanente convívio. Um táxi comum que nos foi despejando em nossas casas, já noite fechada. Mas a minha, já não seria a mesma, aquela em que tinha vivido durante uma meia dúzia dos últimos anos, antes de ter ido para a tropa.
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-- Era agora uma casa maior e melhor, bem situada e pertencente ao nosso amigo e senhor GIESTAS, pai do LICÍNIO e do "QUIREDAS". Ficava no mencionado largo donde partia uma outra estrada para a "Ponte do Chouriço", ou seja, um pouco mais abaixo da casa anterior. Ali residira a família CASMARRINHA e, meus pais, amigos e vizinhos dos proprietários, optaram pela sua mudança; já lá estavam instalados há alguns meses quando regressei e com eles ainda a tia LILI, o HUMBERTO e os meus irmãos, RENATO e RUI.
Foi uma certa decepção, embora todas as condições tivessem melhorado; na anterior tinha ficado um bom e inesquecível pedaço da minha juventude, por vezes despreocupada, outras vezes triste, mas, em grande parte com boas razões de ter saudades, mais propriamente do local pois as pessoas e as distâncias eram quase as mesmas. Embora maior, o número de quartos disponíveis diminuíra. Assim, a rapaziada, incluindo o tio HUMBERTO, acabou por ficar toda num mesmo quarto, no entanto com maiores dimensões. Em certo período, o RENATO havia seguido para a HUMPATA, onde foi colocado na Estação dos Correios, depois de ter concluído o 7º ano liceal. Nessa altura as hipóteses de prosseguir nos estudos eram muito reduzidas. ANGOLA não tinha então estudos superiores, o que era, digamos, uma situação bastante caricata, por todos os motivos, mas sobretudo porque muitos anos antes já os tivera ! Inclusive "Aulas de Medicina" e de "Aritmética"(engenharia), desde os recuados tempos de D. MARIA. Era um lamentável retrocesso.
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-- O meu regresso a casa teve o melhor acolhimento possível e com grande alegria da família. Adaptei-me ao meu recatado lugar, aguardando o que se seguiria. Dentro de alguns dias fazia 21 anos (era então a maioridade, desejada por todos jovens); pouco depois seguir-se-ia o Natal e Fim-de-Ano e não valia a pena ter pressas !
Afinal, felizmente, não tive muito tempo para me manter nessa dúvida, nem no "desemprego". No dia seguinte ao da chegada, pela tardinha, desloquei-me à sede do Benfica como o fizera muitas vezes durante o ano anterior. Meu pai continuava como director do clube (era quase de assinatura) e o presidente era então o engenheiro FONTES que, por coincidência lá estava nesse dia e naquela hora; depois de o ter cumprimentado e sabendo que havia acabado de cumprir o serviço militar (uma das condições que normalmente dava prioridades para certos empregos),logo me perguntou o que pensava fazer de seguida ou se estava interessado em ir trabalhar com ele num escritório de projectos e construções que iria iniciar no princípio do ano. É claro que nem olhei para trás e, mesmo sem saber qual seria a respectiva remuneração, aceitei a oferta. Nem tive tempo para folgar e ainda bem porque não estava nada interessado que se repetisse a situação anterior, após a conclusão do 5º ano liceal ou ter de andar novamente à deriva embora já tivesse uma outra preparação e conhecimentos mais alargados, com o serviço militar cumprido, como muitas vezes o Estado e os particulares exigiam.
Esse escritório iria funcionar na sua residência particular, no primeiro andar dum prédio do Senhor MAXIMINO BORGES, perto da residência do médico, Dr. FARRICA e da família CAMACHO, já bem próximo do Liceu "DIOGO CÃO". O engenheiro FONTES tinha sido Director dos Serviços de Obras Públicas da Huila e decidira dedicar-se à actividade privada.Como era ainda o Presidente do Sport Lubango e Benfica, não lhe faltavam largos conhecimentos pessoais.
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-- Por essa altura do ano deslocavam-se a SÁ DA BANDEIRA muitos estudantes da zona do HUAMBO e do BIÉ que ali iam fazer os exames do 5º ano ou ainda o do 7º ano. A nossa cidade tinha criado um ambiente académico por excelência, propício a certas tradições académicas. Alguns desses rapazes instalavam-se no Internato do Liceu, em pensões ou mesmo em casas particulares. As raparigas tinham à sua escolha o "Colégio das Madres", a "Casa Mãe" ou certas casas particulares onde também recebiam alunas durante o ano lectivo. Já se tornara um hábito na cidade o "desfile no picadeiro" à tardinha, principalmente aos sábados e domingos. A rua principal era então ocupada pelos jovens visitantes que efectuavam um percurso desde a zona da firma VENÂNCIO SOBRINHO até à do "HOTEL DO PADRE", já depois do estabelecimento da VENÂNCIO GUIMARÃES (TIO), e em que também tomavam parte alguns dos seus colegas locais ou mesmo ex-estudantes do mesmo Liceu. Algumas vezes os grupos de raparigas eram logo seguidos por alguns rapazes em amena e agradável companhia.
Eu tinha regressado há pouco tempo da tropa e um dos meus companheiros nessas interessantes caminhadas era o amigo e colega ÂNGELO; tínhamos quase a mesma altura (acima de 1,80 mts.)e "interesses" comuns num grupo de moças do "Centro de Angola"!
Todos nós sabíamos que essas presenças eram geralmente temporárias, portanto apenas durante a época da realização dos seus exames. Sempre iam ficando algumas agradáveis recordações ou ..."futuras surpresas"!...
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-- Surgia então o Natal e o Fim-de-Ano e, como habitualmente, a reunião da família em casa do tio JOÃO e, então, com a presença do "nosso furriel" depois de quase um ano de ausência ! Não faltaram as largas horas de dança intercaladas com as refeições da praxe e de umas guitarradas à mistura. Alguns dos vizinhos e amigos eram os mesmos doutros anos e já habituais nessas animadas reuniões, como se fosse uma única família !
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============================= 1954 (SÁ DA BANDEIRA)-----------

JANEIRO - 2 - Conforme o que ficara combinado com o engenheiro FONTES, logo pela manhã apresentei-me (como um bom militar) ao novo posto de trabalho. O escritório era composto apenas por duas salas da sua residência (que ficava então na parte posterior) separadas por um pequeno corredor e com uma ampla varanda, sendo uma para o seu Gabinete e a outra para Sala de Desenho e Escritório. A minha colaboração inicial foi dedicada mais para o desenho, no que dava uma ajuda e no tratamento das respectivas cópias em enormes rolos de papel vegetal estendido sobre uma grande prancha de madeira, articulada e sobre a qual existia então um vidro grosso, pesado e também de iguais dimensões, debaixo do qual colocava a necessária folha a ser "impressa" após uma breve e forte iluminação eléctrica. De seguida essa mesma folha(ou filhas) era(m) enrolada(s) e introduzida na parte superior, maior,duma caixa feita de cartão prensado, alta e estreita, no fundo da qual existia uma pequena divisória com uma vasilha onde despejava uma certa quantidade de amoníaco; essa operação tinha de ser feita com a máxima cautela, protegendo os olhos e a respiração; abandonava então a ala, com as janelas abertas e aguardava um certo tempo, passado o qual, igualmente com os mesmos cuidados, tinha de abrir aquela infernal "copiadora" (mesmo sem qualquer excesso alcoólico)), para retirar as folhas lá introduzidas. Era uma operação bastante incómoda mas sem outra alternativa.
Foram-se concretizando alguns desses projectos sendo necessário contratar os respectivos mestres-de-obras,apontadores e os operários. Iniciados os trabalhos e com o seu andamento mais uma série de operações tinham de ser controladas: entrou então ao serviço um desenhador (o AMARO, colega do Liceu) e passei para a parte da "escrita": - elaboração das folhas de pagamentos, requisições dos diversos materiais e ferramentas,etc.
Para esse efeito foi alugada a parte traseira do rés-do-chão(cave), estando a residir na parte frontal o senhor SANTOS (funcionário do Banco de Angola, nas hora vagas pintor de grande mérito e treinador de boxe nas instalações do Benfica). Instalei-me nessa secção e deslocava-me às obras em curso com o engenheiro para efectuar o pagamento directo ao pessoal em serviço; o controle era efectuado com a ajuda dos respectivos apontadores e dos cartões de ponto; mesmo assim às vezes era uma grande confusão por causa dos vários nomes iguais, tendo de ser numerados (ex: - SABONETE - 1 ; SABONETE - 2; CANIVETE - 1; CANIVETE - 2...,etc..) Por sua própria iniciativa muitas vezes mudavam-se duma obra para outra baralhando toda a escrita e o controle dos cartões; outros, após terem recebido o salário de apenas alguns dias de serviço, desapareciam de circulação ! Com tudo isso e com a entrada de outros trabalhadores em novas obras, depressa se avolumaram os serviços de secretaria, tendo sido necessário alargar o respectivo quadro; entrou ao serviço o amigo DANIEL CONCEIÇÃO para a secção de "Armazém", em que já tinha bastante experiência, e um guarda-livros, o senhor MANUEL DE JESUS PINTO("PINTO da Fábrica"), também conhecido pelo seu pseudónimo literário "JOÃO DA CHELA", e ainda para seu ajudante o também bastante conhecido, senhor MADUREIRA, acérrimo defensor do Futebol Clube do Porto e da sua filial instalada no LUBANGO, tradicionalmente dirigida pelo incansável senhor INÁCIO DOS SANTOS, pai de alguns meus colegas. Continuei com a secção de "Pessoal", elaborando e controlando as folhas de pagamentos e as mudanças dos diversos operários e serventes dumas obras para outras, o que já não era nada fácil.
Havia umas certas dificuldades financeiras desde o início e os pagamentos começaram a registar alguns atrasos, principalmente da parte respeitante aos mestres, apontadores e dos operários mais remunerados. Assim, esses contactavam directa e assiduamente o engenheiro para lhes fazer adiantamentos, o que ia registando pessoalmente (quando não se esquecia !) num seu livro de capa vermelha (não fosse do Benfica!). Essa solução não era a melhor, sempre sujeita a confusões e lapsos, não resolvendo o problema dos que mais necessidades tinham nas suas compras domésticas. Assim, foi instalada uma mini - cantina e admitido o jovem FLÁVIO ALVES, uma revelação futebolística do Benfica ; era mais um "craque" como alguns outros que haviam sido admitidos nas diversas obras, alguns quase desnecessários, para "alinharem" pelo Benfica ou porque já o tinham feito antes ! O movimento inicial da cantina limitava-se a pequenas aquisições destinadas à alimentação diária (farinha de mi-lho, peixe seco, conservas de peixe, pão, cebolas, etc.), mas sem esquecer o respectivo "litro" do tinto ou até apenas uns copos atestados por uma pequena torneira instalada num barril! Quando havia mais movimento eu tinha de dar uma ajuda ao jovem FLÁVIO, até porque era também necessário ir anotando esses fornecimentos para o posterior desconto nas folhas de pagamentos. Tudo isso complicava imenso o sistema inicial e obrigava a muito mais trabalho diário. Não tenho vergonha de o dizer que eu, com o "Curso Geral dos Liceus", o "Curso de Sargentos Milicianos" (Secretaria), "redactor principal" (em horas extras) do semanário "A HUÍLA" e com algumas outras habilitações, muitas vezes me sentei num banquito, ao lado do barril e assim vendi certamente largas centenas de litros! Os "canudos" ficavam guardados na prateleira à espera duma melhor oportunidade, numa esperança nunca perdida ! Antes já tinha sido "quase" contínuo de escritório e nesta nova actividade era, por vezes, um "balconista" de tasca e semi-contabilista!
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-- Em Fevereiro desse ano falecera um dos mais antigos comerciantes do LUBANGO, o Sr.EUGÉNIO MARQUES DE MIRANDA, pai de : EUGÉNIO, ANTÓNIO e GABRIEL; ao longo da sua carreira fizera uma razoável fortuna. Como acontecia com outros comerciantes, contavam-se várias anedotas ou piadas, num ambiente ainda de certo modo limitado e em que quase toda a gente se conhecia, sendo muitos descendentes dos antigos colonos e por tal fazendo parte de famílias comuns. Quanto a esta firma, de "cordões apertados" nas suas aquisições comerciais, não era fácil que qualquer vendedor ("caixeiro - viajante") conseguisse êxito sem uma boa experiência e muita "lábia"; um deles, queixava-se a um outro comerciante instalado ali próximo que não conseguira vender-lhe algumas panelas de ferro, com tripé, muito usadas então por quem cozinhasse directamente com lenha ou carvão. A alegada razão do Sr. EUGÉNIO era de que já não tinham procura, face a novas e modernas utilizações. Então, o "bom do RAMIRO",comerciante vizinho e sempre disposto a pregar umas partidas, deu-lhe um alvitre : - combinarem com alguns "supostos interessados" para lá irem perguntar se tinha dessas panelas à venda ! Depois dalguns desse "emissários" terem de lá regressado sem qualquer compra (o que era difícil), o esforçado "viajante" voltou para insistir na pretendida transacção. Então já nem foi preciso empregar a sua "lábia" e obteve logo a encomenda de uma boa dúzia de panelas! Bem, por lá terão ficado bastante tempo à espera que surgissem novos pretendentes!
-- Existia um outro comerciante da mesma zona, também com boas reservas económicas, obtidas ao longos de muitos anos atrás do seu balcão e sem horas de refeições (um pão na mão esquerda e a fita métrica de 90 centímetros na outra, em cima duns "riscados"),também alvo dalgumas dessas partidas, mesmo sem ser na altura do Carnaval : - um parceiro brincalhão,sabendo da existência do seus avultados depósitos no Banco de Angola (único existente), foi dar-lhe um "conselho" : ..."que se prevenisse com urgência pois já lhe haviam garantido que o Banco estava para estoirar"... Claro que o cauteloso depositante foi de imediato ao Banco e, sem mais palavras e para surpresa do seu gerente, disse que queria levantar todo o "seu dinheiro"! Ainda para maior espanto dos presentes, o "prevenido ex-depositante", logo ali no balcão, conferiu todos os maços de "grossas" notas. Feita a conferência e verificando que estava tudo certo, declarou em voz alta que um aldrabão o tinha enganado, uma vez que afinal o "seu" dinheiro estava lá todo guardado e logo deu ordens para que assim continuasse!
A propósito de CARNAVAL, era comum nessas alturas serem "pregadas" diversas partidas aos parceiros menos precavidos, desde a moeda furada deitada à rua mas ligada a um fio duma bateria eléctrica, ao funil metido na cintura para o candidato a uma aposta, inclinado para trás, lá deixar cair uma moeda colocada na sua testa, enquanto o apostador despejava uma caneca de água no referido funil! Enquanto em diversos Bairros da cidade se realizavam os "familiares assaltos", pelas principais ruas desfilavam os poucos carros existentes, de animados e divertidos participantes, disfarçados ou não, jogando "cocotes" de fuba que também eram retribuídos ; ali,no LUBANGO, assim como em MOÇÂMEDES e certamente noutras pequenas cidades essa pequena "batalha de fuba" era mais renhida à volta de todo o seu extenso Jardim, onde não faltava, no centro, o tradicional e bem antigo Coreto, local indicado para a actuação duma pequena banda ou de músicos dispersos, sendo também um bom alvo para os "cocotes".
-- Recuando ainda um pouco, devo recordar que reiniciara a minha colaboração, em horas livres, no já referido jornal, mais ou menos nos moldes anteriores; o seu pessoal e as operações técnicas eram as mesmas, sem nenhuma evolução! No entanto mantinha igual dedicação e o entusiasmo anterior com o objectivo de conseguir algumas melhorias, mais e melhor colaboração nos seus conteúdos.
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-- Com a minha ausência de um ano em LUANDA e a mudança para a nova moradia, embora não muito afastada da anterior, reduziram-se os contactos pessoais e directos com as amigas LISETE e LUCY. Entretanto haviam chegado a casa da família GIESTAS, amigos e então nossos senhorios, três novas estudantes do HUAMBO para frequentarem o 6º ano no Liceu "DIOGO CÃO", sendo, uma delas, sua sobrinha; continuavam instalados nos seus anexos (como já me referi, precisamente por detrás dos que antes havíamos habitado e pertencentes aos avós daquelas nossas duas amigas); a seguir,(num plano mais elevado em relação aqueles anexos) e numa outra residência, também próxima e que ficava do lado direito do nosso jardim, residia então a família MATEUS, tios da "amiga" LEONILDE que, entretanto, ainda antes de eu ter ido para a tropa, já havia mudado com seus pais para uma outra bem mais afastada.
Da cozinha e da varanda posterior da nossa nova casa, via-se perfeitamente toda a varanda existente em frente aos anexos, onde a família GIESTAS permanecia bastante tempo nas tardes mais longas; víamos mesmo parte dos quartos onde estavam instaladas as três moças. Portanto era fácil tê-las bem visíveis, até porque entre as referidas casas existia uma passagem que lhes dava o acesso dos anexos para a rua, mesmo junto ao nosso jardim. Com os contactos já existentes facilmente travaríamos maiores relações. O senhor GIESTAS era um parceiro, ou por outra, um forte adversário nos jogos de sueca com o meu pai e que muitas vezes se efectuavam em nossa casa; normalmente era ali o "campo de batalha" com uns encontros "renhidos" e em que o meu pai se gabava de ser o melhor, dizendo então que só precisava dum parceiro para segurar nas restantes cartas; por sua vez o amigo e senhor GIESTAS (com algum parceiro disponível) ia afirmando : ... "eu estou farto de dizer, que tirando eu, o PEDRO CORREIA é o melhor"... Na verdade era difícil encontrar quem os superasse e, no fim, tudo terminava sempre na melhor das disposições em noite alta, principalmente aos sábados.
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Chegaram ao bairro uns novos vizinhos : o jovem casal MARMOTA que depressa estabelecera boas e animadas relações; ele era também um fervoroso adepto desportivo e do jogo da "sueca"; como em nossa carta não gostávamos muito de emparceirar com o meu pai nesse jogo pelas críticas que nos fazia quando metíamos água nalguma jogada ou não correspondíamos às "puxadas" conforme melhor entendia, logo vimos ali uma alternativa e uma futura "vítima", até porque, sendo muito divertido, não se incomodava com aqueles "sabonetes" e ao mesmo tempo sempre ia aprendendo mais alguma coisa. A firma de que o senhor GIESTAS era o gerente possuía a dita salsicharia ali bem próxima, a seguir à "Ponte do Chouriço" e onde nos íamos abastecendo para aqueles encontros com diversas especialidades; os que estavam "fora de jogo logo se desmarcavam" para a cozinha na preparação e prova antecipada com a colaboração e orientação do nosso jovem "MIÚDO", já com foros de cozinheiro.
Com a ampla vista de nossa casa para a varanda das vizinhas estudantes e as aproximações familiares, aumentaram as nossas relações e oportunidades de melhores contactos. Por outro lado e por mais uma coincidência, o meu percurso de casa para o escritório era precisamente o mesmo que elas faziam para o Liceu, um pouco mais adiante do que aquele e assim, todos os dias o fazíamos em grupo; o inevitável mais uma vez havia de surgir e, em breve, eu estava de namorico pegado com uma dessas companheiras (a ODETE), por sinal a mais baixa de todas, sendo eu bem mais alto, ficando de vez afastada a hipótese da minha relação com a ex-vizinha LEONILDE, até por causa do impedimento levantado por seu pai e talvez por estarem também um tanto afectadas outras amizades mais antigas!
Com estas novas presenças fora aumentado o nosso grupo das habituais diversões e dos locais das serenatas; numa outra residência duma família já nossa conhecida da CHIBIA,(entretanto designada VILA JOÃO DE ALMEIDA em homenagem a um ilustre Governador do Distrito da HUILA), e situada do lado oposto ao nosso largo fronteiriço, um pouco distante, havia também diversos estudantes do 6º e 7º anos (do Liceu), raparigas e rapazes (destes recordo o folião "FINÍNHO", a simpática "MANECAS"...) e que passaram igualmente a entrar na lista dos "farristas". Logo por ali surgiria o amigo e colega JÚLIO, no seu belo cavalo, dando nas vistas e cedendo boleias às moças mais afoitas, enquanto outras preferiam andar de bicicleta naquela descida até à "Ponte do Chouriço".
Assim foi rolando o tempo entre toda essa agradável companhia, num bom ambiente, sem que surgissem quaisquer dissidências. Pedido por uma dessas vizinhas cheguei mesmo a redigir um trabalho sobre um tema de "Filosofia" que havia sido marcado pelo respectivo professor; ao que parece, teve o seu bom acolhimento e, no entanto, eu nem tinha essa "cadeira" nos meus projectados e desejados planos de estudos; talvez tenha sido influenciada pela minha conhecida colaboração periódica no Jornal "A HUILA", como acontecera antes com um trabalho "escolar" para sua prima, a LUCY.
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-- ABRIL - Com meu pai e minha avó, HERMÍNIA, deslocámo-nos a MOÇÂMEDES para contactar com uns familiares que por ali passariam num navio com destino a MOÇAMBIQUE (vindos de PORTUGAL). Era a prima HERMÍNIA DA CRUZ CURADO (mais conhecida na família por LOLA, filha da tia ALDINA COIMBRA DA CRUZ CURADO (- LILI - irmã de minha avó), casada com o capitão-médico MARCELO H. CORREIA RIBEIRO, acompanhados de seus filhos (MARCELO e OCTÁVIO). Muitos anos e a distância tinham afastado os mais idosos, enquanto os mais novos nem se conheciam.
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Em 19 de Junho desse ano registou-se a visita Presidencial do General CRAVEIRO LOPES a ANGOLA, passando pela HUÍLA, onde lhe foi solicitada a criação da Diocese de SÁ DA BANDEIRA.
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-- Uma nova data a recordar : - 11 de Agosto de 1954, pelo seu imenso significado na minha vida! O Liceu "DIOGO CÃO", comemorava então as Bodas de Prata (25 anos) da sua fundação (pelo D.L. nº 40, de 6 de Abril de 1929, com a extinção da antiga "Escola Primária Superior ARTUR DE PAIVA", funcionando no edifício da Câmara Municipal de Lubango desde 1920, então designado "Liceu Nacional ARTUR DE PAIVA").
Organizara então diversos eventos, entre os quais figuravam os "Jogos Florais", aos quais podiam concorrer antigos e novos alunos. Abrangia três modalidades : "...a) Soneto ou Poema heróico sobre a figura e a acção do navegador e descobridor Diogo Cão, patrono do Liceu;"...- b) Quadra popular, inédita, sobre a vida académica, antiga ou moderna; - c) Monografia histórica, em prosa, sobre a cidade de Sá da Bandeira, ou a vida histórica do Liceu ou sobre a colonização do Planalto da Huíla". Para cada uma dessas modalidades havia dois prémios, respectivamente : "rosa de ouro e rosa de prata"... "cravo de ouro e cravo de prata"... "malmequer de ouro e malmequer de prata", podendo ainda serem atribuídas ..."menções honrosas, em diploma impresso, aos concorrentes que julgar merecedores"... Assim dispunham alguns dos artigos do seu Regulamento com data de 5 de Julho e assinado pelo seu..."Reitor e Presidente dos Festejos Comemorativos...", dr. JOSÉ DE SOUSA RAMALHO VIEGAS (mencionado e publicado no Jornal "A HUILA" : - nº 695, em 26 de Junho; nº 698, em 14 de Julho e nº 701, em 28 desse mês, transcrito neste nosso trabalho).
Surgia-me na hora certa mais este desafio e oportunidade que não podia desperdiçar! Poucos meses antes, na Biblioteca do Quartel-General, em LUANDA, tivera ocasião de efectuar razoáveis pesquisas sobre esse tema histórico, pelo que me julguei apto a participar nesses JOGOS FLORAIS. Efectivamente havia recolhido preciosos dados e tinha alargado os meus conhecimentos num tema que me empolgava desde há muitos anos. Era o "tudo ou nada" e decidi concorrer àquelas três modalidades e, se bem o pensei, direi mesmo que melhor o concretizei!
-- Chegara o dia tão ansiosamente aguardado, tendo sido promovida uma "sessão de honra" no Ginásio do Liceu para a entrega dos citados prémios e depois da qual se seguiria o respectivo baile de encerramento. Um pouco antes do início dessa sessão, estando entre o Ginásio e as escadarias traseiras do Liceu, a caminho dum pequeno fontanário, a seguir a uns famosos bambús, encontrei-me com o respectivo Reitor, dr. RAMALHO VIEGAS, que se dirigia apressado para o Ginásio. Então fez um pequeno desvio na sua rota, na minha direcção e foi apertar-me a mão, dizendo-me com visível satisfação..."parabéns, vais ter uma agradável surpresa"...e lá seguiu enquanto eu fiquei estático, mas meditando no que afirmara! Regressei para a entrada do Ginásio e, já no seu interior, encostei-me aos espaldares, do lado oposto onde se encontrava a mesa do Júri ( formado então pelo Reitor, Vice-Reitor (dr.AMARAL ESPINHA), o Secretário do Liceu e dois membros da Comissão Organizadora, já ali presentes), estando a sala repleta de assistentes.
A cerimónia de abertura cumpriu as devidas praxes e discursos elucidativos no fim dos quais o seu ilustre Presidente declarou que a seguir iriam ser revelados os nomes dos vencedores nas diversas modalidades dos JOGOS FLORAIS : SONETO OU POESIA HERÓICA -- o primeiro, ("Rosa de Ouro") para o ex-aluno e meu colega (no Liceu e na tropa), ANTÓNIO JOSÉ PEREIRA DE FIGUEIREDO e o segundo ("Rosa de Prata") para RUI FERREIRA GOUVEIA COELHO, ex-aluno, já formado em Medicina; MONOGRAFIA HISTÓRICA : - o primeiro ("Malmequer de Ouro") - para ÂNGELO JOSÉ DIAS, ex-aluno, formado em Direito; o segundo,"Malmequer de Prata" e ainda o único prémio ("MENSÃO HONROSA") atribuído à "QUADRA" para outro ex-aluno (o autor deste modesto trabalho).
Depois de eu já ter na lapela o referido distintivo e cumprimentado todos os membros do Júri, sob os aplausos da assistência, voltei costas dirigindo-me para os "meus espaldares", quando o Vice-Reitor me chamou e disse em voz alta..."espera aí, ainda não te vás embora"... Mais atordoado fiquei naquele imenso e repleto salão e lá regressei para junto da mesa do Júri; de seguida explicou que não tinha sido atribuído qualquer prémio na modalidade de "quadra popular" mas sim uma única menção honrosa. Então, sorrindo, divulgou novamente o meu nome e, de seguida declamou a minha quadra, como só ele sabia fazer, em tom forte e sentimental : ...


............... "Liceu de sonhos e amores,
............... Ondas d 'oiro em mocidade,
............... Já lá vão... são os ais e dores
............... Desta Coimbra da saudade !"


    Uma vibrante salva de palmas deixou-me ali pregado ao chão e ao mesmo tempo lançou-me para as nuvens; seguiram-se alguns cumprimentos e abraços.
Nesse lapso de tempo sentia-me então mais "vingado" daqueles colegas que tempos antes tentavam insultar-me, revelando um espírito discriminatório. Afinal, onde estava a sua superioridade ?!...
-- Por diversas vezes, na minha colaboração jornalística eu havia sugerido e defendido, como alguns outros o fizeram também, que SÁ DA BANDEIRA passasse a ser designada oficialmente por "NOVA COIMBRA", (a exemplo de NOVA LISBOA e outras localidades) devido ao elevado espírito académico e às praxes que já se seguiam entre os muitos estudantes (com a existência de diversas "capas e batinas"), desde os mais antigos aos mais novos, às tradicionais serenatas e outras manifestações estudantis.
Conforme estava programado, nessa noite realizou-se o "Baile de Encerramento". Era natural e aconteceu ter sido bastante felicitado, abraçado e beijado! Tinha sido o único premiado na "quadra popular" e, afinal, o único que recebera dois prémios naqueles JOGOS FLORAIS, os primeiros realizados pelo Liceu! Assim, fui dançando com diversas moças, algumas ex-colegas, até que uma, ainda desconhecida, me surpreendeu, tomando a iniciativa e dizendo que tinha estado à espera de uma oportunidade, resolvendo antecipar-se. É claro que não ficamos só por essa dança e algumas outras se sucederam. Fiquei então a saber que se chamava (MARIA HELENA) e integrava um grupo de estudantes instaladas no Colégio das Madres e a frequentar então o 6º no Liceu; afinal, também fazia parte das diversas estudantes que todos os dias percorriam quase o mesmo trajecto que o meu, quando me deslocava de casa para o escritório e vice-versa, às mesmas horas, como acontecia ainda com as minhas vizinhas, já mencionadas; eram muitas coincidências juntas ! Um novo romance surgia, ultrapassando, ou, paralelamente, ao anterior, com a ODETE, que nem tinha ido aquele baile; afinal, possivelmente até seriam colegas no 6ºano !
Como havia de resolver aquele complicado dilema ?.
Além de vizinha, bem próxima, a ODETE estava instalada em casa de nossos amigos, já quase familiares, o que complicava um pouco mais aquela inesperada situação; nem sei bem como acontecera, mas no momento foi impossível evitar. Talvez o tempo acabasse por resolver mais essa estranha situação, como sucedera noutras ocasiões ou talvez procurando afastar-me de ambas ! Ainda andei alguns dias "agregado" ao seu grupo naquelas deslocações mas corria o risco de em breve ser detectado pela sua "concorrente". Logo, teria de me desviar daquele percurso comum e de arranjar uma maneira diplomática de me afastar! Então, a solução imediata que encontrei, foi a de passar a deslocar-me na bicicleta do escritório pelos habituais trajectos e usando uma qualquer desculpa até que o tempo resolvesse essa quase inocente duplicidade. Afinal, aqueles desejados prémios tinham-me complicado um pouco mais e inesperadamente a minha vida sentimental.
A lista dos premiados do "JOGOS FLORAIS" do Liceu fora publicada no Jornal "A HUÍLA" nº 703, em 14 de Agosto.
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As relações e contactos mais directos com os vizinhos mais próximos, família GIESTAS, e com as suas "hóspedes" tinham sem dúvida mais peso; foram aumentando e solidificando e desse modo também, novamente, com a ODETE, levando a MARIA HELENA, (instalada no Colégio e "invisível" durante todas as restantes horas, além dos poucos momentos existentes nas breves deslocações entre aquele e o Liceu), para um segundo plano, com tendência a desaparecer de cena!
A janela do nosso quarto dava para uma grande parte do quintal murado, num gaveto, junto ao largo, mas a uma razoável altura, sendo difícil o seu acesso. Mas, como tinha ali existido uma triste goiabeira que acabara por secar já com um largo tronco, fora esse cortado a uma conveniente altura, o que permitia mais facilmente o nosso acesso, em horas indevidas, à dita janela que era mantida apenas encostada; no silêncio da noite, estando o quarto dos meus pais mesmo ali ao lado do nosso, cada "noctívago", (já adulto), pulava o mais silenciosamente possível quando regressava dalguma saída clandestina; isso porque o meu pai, apesar de já não sermos nenhumas crianças, era bastante exigente quanto a horários, especialmente nocturnos! O Humberto, o Renato e eu já tínhamos atingido a maioridade (então aos 21 anos)! Eu tinha acabado de estar um ano fora, na tropa, e até parecia que ainda necessitava de dispensa de recolher! No quarto oposto ao nosso, separados pelo corredor, dormia a tia LILI e a prima MIMI, irmã da ALDA(QUITA), de BENGUELA, já órfãs de pai e mãe (tia ALICE) ; viera para nossa casa afim de continuar os seus estudos no Colégio. A ALDA também já ali estivera numa outra época.

-- AGOSTO -- Em SÁ DA BANDEIRA realizavam-se todos os anos e no mês de Agosto as já tradicionais e bem conhecidas "Festas da Nossa Senhora do Monte", num local ainda bastante afastado da cidade, encravado na serra e onde os antigos colonos haviam erguida uma bonita capela.
Durante essas Festas muitas pessoas doutras cidades : - MOÇÂMEDES, BENGUELA e NOVA LISBOA, ali se deslocavam por ocasião dos torneios desportivos, "Quadrangulares"( futebol, basquetebol, hóquei, natação, etc.), além de diversos eventos, incluindo os culturais.

-- Mais uma vez, nessa altura, a nossa casa ficara com "lotação esgotada" : na sala de visitas, na sala de jantar e até no corredor, principalmente com uns nossos amigos de MOÇÂMEDES, família CASTRO, (com D. LUDOVINA e seus filhos : MANECAS, CLEMENTINA, CÉZAR, ISABEL, ANTÓNIO, JÚLIA, CARLOS - ? -.) que tinham sido vizinhos de nossos pais quando lá estiveram a residir nuns quartos dum quarteirão cujo senhorio era conhecido pela alcunha de "Passa - Fome", há uns anos antes e para onde então também nos deslocávamos nos períodos de férias, beneficiando das vantagens e oportunidades da sua bela praia e de novas companhias; eram relações francas, quase familiares.
Na capelinha da "SENHORA DO MONTE" rezavam sempre uma missa, finalizada com a tradicional procissão; mais em baixo, numa parte mais plana e bastante alargada, eram montadas diversas barracas de diversões, com muitas árvores intercaladas e proporcionando boas sombras para os "piqueniques". A seguir estendia-se um extenso lago artificial, com piscina, e alguns barquitos que por ali circulavam. Ainda no alto, no sopé da Serra, existia um airoso e bem conservado casino, onde se realizavam animados bailes, sendo um bom cartaz turístico. Num outro lado, não muito distante existia uma Pousada da família CABRAL.
Sendo a HUÍLA uma região cheia de belezas naturais, sempre me interessei e, debati por diversas vezes no jornal, assuntos relacionados com o Turismo, principalmente pela necessidade de formar um "Centro" para a sua divulgação e resolução de muitos problemas em suspenso. Assim, com alguns amigos (cito os que mais me recordo : irmãos GOMES TEIXEIRA, GASPAR DA COSTA, SEARAS...), decidimos criar o "CENTRO DE TURISMO DA HUILA" e, para tal, nada melhor do que aproveitar aquelas Festas e instalar um pequeno Pavilhão com artesanato e diversos artigos regionais, postais, fotografias, etc., mas apenas com uma diminuta ajuda da Câmara Municipal.
Apesar das dificuldades surgidas conseguimos levar por diante a nossa arrojada iniciativa ; desenhei e elaborei um modesto "Roteiro Turístico" que foi mandado executar numa das gráficas com apoio de alguma publicidade adequada (e que mais tarde serviu de base para a elaboração dum Roteiro definitivo). O nosso maior problema era o das deslocações entre a cidade e aquele local, uns largos quilómetros, sem termos qualquer meio de transporte apropriado e tendo de aproveitar boleias, o que era mais difícil no final da noite, ou mesmo já de madrugada quando encerrávamos o Pavilhão. Assim, algumas vezes lá descíamos a pé aquela longa avenida..."cantando e rindo"... Os resultados foram bastante satisfatórios, despertando então a atenção e interesses dalgumas entidades e particulares até aí adormecidos !

Tinha sido um autêntico "ovo de Colombo"; antes disso ninguém fizera nada e estava então lançado o futuro "CENTRO DE TURISMO DA HUILA". A abrilhantar essas Festas também costumava estar presente a tradicional "Banda de LUIS SAMBO", um bem conhecido músico angolano e ervanário na CATUMBELA.
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-- Como a vida não era só de diversões voltemos ao "trabalho" e ao meu patrão, engenheiro FONTES, já com a firma devidamente constituída, sob a designação de "Construções Técnicas de Engenharia Civil"- (CETEC). Estava mais consolidada e haviam surgido novas e im-portantes obras, como era o caso dos "Novos Quartéis", no "ALTO DO CONCEIÇÃO", obrigando a outras e diversificadas admissões de pessoal. Dos vários "apontadores" passou a fazer parte o EDUARDO AFONSO, antigo colega do Liceu (onde era bem conhecido pela alcunha de "BANDOLIM" ou "BANDOLAS") e amigo desde os tempos da CHIBIA e dos animados Festejos de S. PEDRO, estando instalado numa curiosa "messe"; ali fora funcionário dos Correios e, assim, colega do meu pai; como alguns outros que trabalhavam então na CETEC, também era jogador Benfica.
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-- 1954 -- SETEMBRO -- 4 - Nessa tarde, creio que num Sábado, estando sentado no muro de nossa casa com o vizinho MARMOTA, virados para o largo, passou uma carrinha da DTA com dois (três ?) indivíduos; como ia devagar o MARMOTA reconheceu-os e deu um grito de alerta, dizendo-me ..." é o "ROSA MAÇARICO", vai para o Aeroporto (MUCANCA -? ?); vamos até lá "... A carrinha parou um pouco mais adiante e saltámos para a parte traseira. O MARMOTA conhecia toda a gente e fazia amizades com facilidade dado o seu espírito, divertido e bem disposto, por vezes com graça. Nas suas rápidas amizades, em LUANDA, contactara o piloto "ROSA MAÇARICO", (PEDRO MANUEL DOS SANTOS ROSA), bastante popular, muito conhecido e famoso pela sua destreza e manobras aéreas, sendo considerado um dos melhores de Angola. Chegados ao Aeroporto os amigos MARMOTA e o ROSA trocaram uns abraços e de seguida ficámos a par da situação; estava uma avioneta ali na pista a sua espera para o regresso a LUANDA com o rádio telegrafista HERCULANO DOS SANTOS MARTINS e dois passageiros : o dr. RAFAEL ÁVILA DE AZEVEDO, então Director de Serviços de Instrução e que noutros tempos fora professor do Liceu "DIOGO CÃO" e o senhor MANUEL ROSADO, do LUBANGO e gerente, em LUANDA, da filial "ARTUR FERNANDES & Cª ". Dizia então o MARMOTA, na brincadeira, que também iria de boa vontade até à capital para matar saudades. Notou-se a presença já dentro do avião dum bonito cão preto(?), sem sabermos a quem pertenceria; depois da avioneta ter desaparecido no horizonte regressamos à cidade na mesma carrinha que nos levara.
O MARMOTA havia chegado há algum tempo de LUANDA e não tinha qualquer constrangimento em contar um episódio sobre a sua vinda de PORTUGAL : alguns seus amigos ao saberem que ele seguia para as "colónias" logo se ofereceram para lhe arranjarem uma aconselhável "carta de recomendação", como era então quase vulgar. Depois de desembarcar no porto de LUANDA, solteiro, de "mala às costas", meteu-se num táxi e, puxando pela referida carta, leu o endereço : PEDRO ALEXANDRINO DA CUNHA, - Largo dos Correios. O taxista, sorrindo, não respondeu; olhou para o "pára-quedista" então desembarcado e lá seguiu; chegado ao local indicado, frente a uma estátua, parou, abriu a porta e disse ao seu passageiro : o senhor PEDRO ALEXANDRINO é este ! O amigo MARMOTA bem depressa aprendeu a lição e em pouco tempo era o primeiro a vingar-se, pregando partidas a outros, incluindo a história da caça aos "gambuzínos" em que também ainda embarcara ! Muitos foram os que também caíram nessas ciladas !...

No dia seguinte à nossa ida ao Aeroporto fomos surpreendidos pela notícia do desaparecimento da avioneta pilotada por "ROSA MAÇARICO", já bastante próximo de LUANDA(VIANA). Depois de muitas demoras e buscas e pelo uivar constante do cão durante a noite, conseguiram localizá-la. O ROSA infelizmente não sobrevivera àquela queda, talvez na tentativa duma aterragem antecipada, ao contrário dos seus dois passageiros que estavam em estado grave; o cão salvara-se ileso e talvez assim, com o seu alerta lancinante, também tenha ajudado a salvar os sobreviventes. Essa notícia foi-nos bastante chocante dada a situação em que tudo se havia processado no dia anterior; penso que era a primeira vez que conhecera pessoalmente o malogrado piloto; quanto aos restantes já conhecera alguns anos antes. Ficámos a pensar naquelas graçolas do MARMOTA a dizer que também iria de boa vontade até LUANDA! Desta vez o nosso amigo MARMOTA ficou bastante alquebrado, o que talvez fosse raro acontecer-lhe.
Noutras ocasiões, quando se descuidava com as horas de regressar a casa, pela tardinha ou já de noite, entretido com os amigos, nos clubes ou em salas de jogos, sua mulher, franzina mas diligente, lá o ia localizar, moderando-lhe os entusiasmos, sem hipóteses de prolongamentos ou desempates.
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-- OUTUBRO -- Nas referidas Festas de S. Pedro da CHIBIA costumava lá ir jogar futebol a equipe do "PORTUGAL" de BENGUELA, o que se tornara uma tradição. Disputavam-se também encontros de basquetebol feminino e masculino no recinto do Jardim Público, já com boa representação e havendo sempre arraial e os bem conhecidos bailes no corte de ténis. Como estava "metido" no Jornal não deixava de publicar a conveniente reportagem e, algum tempo antes, já tinha feito uma referência especial aos graves problemas que afectavam a população da vila; um deles era o seu deficiente abastecimento de água potável, pendente há alguns anos mas emperrado na habitual "burrocracia"; reuniões e mais reuniões com autoridades, técnicos ou governantes, nada resolviam, não passando de adiamentos para o andamento das obras necessárias. A publicação dessa minha reportagem no Jornal "A HUÍLA" teve grande agrado local e foi objecto duma referência do correspondente do "JORNAL DA HUÍLA" e professor naquela vila, senhor BRITO DE FIGUEIREDO. Assim, nas vésperas da realização das Festas dum dos clubes ali existentes, tive a grata visita, nos escritórios da CETEC, do Dr. JOSÉ DE FREITAS, que fora meu professor no Liceu, e de sua esposa, CORA ONDINA PENA, então professora na CHIBIA, fazendo-me o convite para lá ir passar um fim-de-semana em sua residência naquela vila e efectuar a respectiva reportagem para o Jornal "A HUÍLA". Não era possível negar tão amável convite e logo ficou tudo combinado. Na Sexta-feira seguinte, ao fim da tarde, foram-me buscar ao escritório e lá seguimos para a CHIBIA numa sua carrinha, creio que FORD, ainda dos velhos tempos.
Foi um óptimo fim-de-semana, com convívio de alguns antigos colegas da Escola da CHIBIA, "PINHEIRO CHAGAS" e do Liceu. A organização desses festejos decorreu em perfeita harmonia, dispensando-me alguns dos seus elementos as maiores atenções. Na segunda-feira regressei no mesmo transporte directamente para o meu local de trabalho, afinal ali bem perto do Liceu onde o dr. FREITAS ainda dava aulas; nessa mesma semana preparei a necessária reportagem para ser publicada no Sábado (**) -- sob o título "FEIRA DA CHIBIA" - nº 714, de 27/10/1954) -.

-- NOVEMBRO - 18 - Publicação no Jornal "A HUILA" (nº 717) do meu artigo "HUILA, TERRA DE ENCANTOS - I", com o pseudónimo SOURREIA.

-- DEZEMBRO - 2 - Publicação no nº 719 do mesmo Jornal um outro artigo (II) com o mesmo título . - ( v. na rubrica : "ARTIGOS PUBLICADOS PELO AUTOR") -
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-- Passada mais essa "folia" restava-me regressar ao trabalho e ao verdadeiro "frete" que era o de dar uma ajuda na cantina, onde por vezes surgiam inevitáveis complicações. No seguimento da estrutura da CETEC e da concretização de novos projectos e empreitadas, também maiores eram as suas responsabilidades, merecendo uma mais atenta fiscalização e evitando as exageradas paixões "clubistas" que se foram verificando, com prejuízos consequentes. Entre muita gente havia sempre quem aproveitasse a sombra de outros e preferisse beneficiar assim duma vida mais descansada, mas provocando ainda certas folgas e descuidos dos subordinados; havia chefes em demasia e alguns de má qualidade, com vícios indesejados.
Não sei se também com algumas falhas técnicas ou facilidades nas responsabilidades, que se tornaram menos responsáveis, começaram a surgir indesejadas e prejudiciais situações , como foi a da queda duma imensa e arrojada placa de cobertura das bancadas do campo de futebol do Liceu e depois do desmoronar de diversas paredes e placas num grande edifício de vários pisos, mesmo dentro da cidade e ainda de vários desaires na construção dos "Novos Quartéis". Tudo isso mais acentuava a já e sempre tremida situação financeira da empresa, reforçada por certos desperdícios ou exageradas despesas pessoais na sua chefia.
A situação já não me estava agradando nada; mais uma vez, felizmente, surgiria uma outra "luz ao fundo" daquele desorientado túnel!
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-- Tomei conhecimento da abertura do concurso para aspirantes do Quadro dos Serviços da Fazenda Pública, exigindo como habilitação mínima o Curso Geral dos Liceus, completo, e o serviço militar cumprido. Estava mesmo a calhar! Mais uma vez não hesitei e tratei logo dos Essa colaboração teve de ser mesmo muito mais activa e quase permanente durante as minhas horas de folga, quando o seu director, tenente-coronel, VICTÓRIA PEREIRA, adoeceu gravemente, sendo hospitalizado e mesmo operado pelo já ilustre e bem conceituado cirurgião, dr. GOMES DOS SANTOS.

Embora tendo decorrido tudo pelo melhor, mas atendendo à gravidade do caso e à sua avançada idade, a recuperação seria certamente demorada; automática e praticamente passei a assumir quase toda a responsabilidade na completa elaboração do Jornal, o que constituía um desafio e uma tarefa nada fácil para um "não profissional" com pouco mais de vinte anos de idade! Toda a matéria a ser publicada tinha de passar pelas minhas mãos antes e depois dos compositores (pouco mais do que analfabetos) para evitar as habituais "gralhas" ou situações piores como já anteriormente tinha acontecido. Além disso existia uma censura prévia e, se surgissem partes cortadas mais atrasos provocavam. Quanto a isso também não me podia descuidar pois, algum tempo antes, já havia sido chamado à presença do Governador do Distrito, Comandante PEIXOTO CORREIA por causa duma notícia que escapara ao corte dessa censura e que divulgava então a existência duma epidemia sobre o gado bovino, verificada no sul de Angola, talvez proveniente do Sudoeste Africano, o que não devia ter acontecido! Perante a minha juventude e talvez a fraca experiência dos limites da liberdade da Imprensa, ele foi bastante simpático, limitando-se a uns ligeiros conselhos.

Para conseguir levar avante aquela imensa tarefa e responsabilidade, ia-me socorrendo da colaboração de alguns dos habituais e já citados amigos, procurando ao mesmo tempo dar ao jornal um melhor aspecto e apresentação geral. Creio que nunca falhou qualquer publicação (então semanal) durante todo esse período até que o seu director tivesse podido reassumir normalmente as suas funções; entretanto, como seu único redactor e representante, tinha acesso às mais variadas cerimónias que iam surgindo. Podia parecer que tinha ali um trajecto para continuar, talvez num futuro com que sonhara e chegara a admitir com agrado, mas as condições económicas do Jornal eram bastante deficientes, nada promissoras.
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Em 5 de JULHO de 1955 foi decretada uma Nova Divisão Administrativa de ANGOLA, por distritos, tendo sido restabelecido o de MOÇÂMEDES e criada a Intendência do BAIXO CUNENE (pertencente ao distrito da HUÍLA).
.......................................................................... .......... Chegara a altura de prestar provas no concurso para aspirante dos Serviços de Fazenda a que me tinha candidatado, tendo sido admitido e passando a constar da respectiva lista oficial numa razoável posição e existindo bastantes vagas por preencher. A partir dessa altura seria apenas uma questão de tempo; o lugar estava garantido, com um futuro certo talvez bem próximo e prometedor.
Afinal, não seria em "Letras" nem em "Ciências", mas sim na "Contabilidade Pública", o caminho que acabara por ser traçado. Foi um consolável alívio ao tomar conhecimento que iria deixar em breve aquele serviço no escritório e mini - cantina. Tinha obtido novos conhecimentos, é certo, mais alguns amigos e colegas. Acima de tudo tenho a salientar os ensinamentos e o convívio pessoal com o guarda-livros, senhor PINTO, jornalista e poeta com todo merecimento, mais conhecido por "JOÃO DA CHELA", colaborador e cronista do "JORNAL DE BENGUELA", com larga experiência; figura carismática no LUBANGO que em anos anteriores também ficara conhecido por "PINTO da Fábrica" por ter trabalhado numa grande e antiga serração; baixo, atarracado com o seu chapéu nivelado a meio da cabeça, com sol ou chuva, fumando grossos cigarros que pachorrentamente enrolava, gostava da companhia dos amigos, duma petiscada e do respectivo "copo", sem nunca se exceder. À tardinha, depois da saída do escritório e, ainda com os colegas DANIEL e MADUREIRA, passávamos pela "tasca do QUEIROZ", num gaveto frontal à residência do dr. ARNALDO CORREIA, durante alguns anos professor de ginástica no Liceu, para ali "assinar o ponto", como diziam, e próxima da Escola Primária nº 59 ("IRMÃOS RUBY"). Havia sempre alguma novidade e às vezes até com interesse para divulgação jornalística ou para uma das suas crónicas. Normalmente ainda por ali ficava com o MADUREIRA, seguindo eu e o DANIEL até à sede do Benfica ou mesmo para casa.

Essa colaboração teve de ser mesmo muito mais activa e quase permanente durante as minhas horas de folga, quando o seu director, tenente-coronel, VICTÓRIA PEREIRA, adoeceu gravemente, sendo hospitalizado e mesmo operado pelo já ilustre e bem conceituado cirurgião, dr. GOMES DOS SANTOS.
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Pela nossa vizinhança tudo se mantinha quase na mesma, apenas com uns novos vizinhos, inquilinos do senhor GIESTAS e ainda seus familiares, substituindo a família MATEUS. Por nossa casa continuavam os habituais encontros de sueca, também já com a presença do LICÍNIO, filho do nosso senhorio e às vezes seu parceiro. A família MARMOTA passou também a ser uma visita assídua.
..................................................................................... Com a minha provável saída de SÁ DA BANDEIRA findaria também toda a colaboração ao Jornal "A HUILA" depois de alguns anos duma ajuda voluntária e agradável, da qual recolhi novos conhecimentos e beneficiei de algumas e valiosas oportunidades. Registo aqui a minha admiração e o meu respeitável reconhecimento do seu director, Tenente-Coronel VICTÓRIA PEREIRA e de sua simpática e estimada família.
Levaria na minha bagagem, já alinhavado, direi mesmo quase pronto, um trabalho que fora preparado nos últimos anos, bem como os preciosos apontamentos que havia recolhido durante o estágio no Quartel-General, sempre aguardando uma oportunidade para serem completados com vista a uma futura publicação. Quanto ao primeiro já tinha efectuado alguns contactos para esse efeito através das Oficinas de S. JOSÉ, de BRAGA, cuja indicação alguém me terá fornecido.
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-===============------------ 1956 - (SÁ DA BANDEIRA) --------------

Em 9 de Janeiro de 1956 chegara a SÁ DA BANDEIRA o seu primeiro Bispo, D. ALTINO RIBEIRO SANTANA.
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Com a publicação da respectiva portaria, surgira finalmente a hora de tomar conhecimento da minha aguardada colocação nos Serviços de Fazenda e Contabilidade. Não havendo ainda disponibilidades da nomeação efectiva para o seu Quadro, fui então nomeado terceiro oficial, interino, categoria imediatamente superior e sendo colocado na Direcção Distrital do Huambo, em NOVA LISBOA, recentemente criada por separação da Direcção de BENGUELA a que pertencera. Só me restava despedir-me do patrão e dos colegas de serviço (CETEC), de alguns amigos, amigas e finalmente da família residente no LUBANGO.
Mais uma separação para uma nova etapa na vida. Como já sabia da garantia daquela nomeação e da passagem, na devida oportunidade, para o Quadro, na altura considerado um dos principais dentro do funcionalismo público, a par do Quadro das Alfândegas, tendo como Director dos Serviços um natural da HUÍLA e ainda ligado à nossa família, surgiam boas perspectivas e finalmente a possibilidade dum futuro com as melhores hipóteses do que as então desfrutadas.
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** JULHO/AGOSTO (????) - Visita do "ORFEÃO ACADÉMICO DO PORTO - a SÁ DA BANDEIRA -- (recepção - serenata -- baile do Ginásio -- :

-- Ceia do MACONGE no "ESTREITO DE MAGALHÃES" com dispensa de praxes académicas ao "caloiro ANTÓNIO SEARA na sua entrada para a Universidade do Porto - despedidas na Estação do (CAMINHO DE FERRO DE MOÇÂMEDES)CFM. e na QUILEMBA...-

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========================.......... "ANGOLA... MEMÓRIAS" - ( 5ª Parte ) : ........

---------- 1956 - ( NOVA LISBOA ) -----------


1956 - SETEMBRO - Embalada a trouxa, com uma razoável mala cheia de roupas, livros, ficando lá por casa no entanto o meu violino, que não o chegara a saber tocar), e mais alguns pertences de que não me quis separar, segui numa bela manhã pela velha carreira de "VENÂNCIO GUIMARÃES" a caminho de NOVA LISBOA. O amigo EDUARDO AFONSO, que também estivera a trabalhar como "apontador" nas obras dos Quartéis, na CETEC, período durante o qual permaneceu algum tempo a residir connosco, já se encontrava nessa cidade, em casa de seus pais. Logo que soube do dia da minha partida, contactei-o para me reservar um quarto numa Pensão que ficasse próxima da Direcção de Finanças.
Já quase de noite, quando cheguei ao meu novo destino, lá estava o amigo AFONSO. Ainda insistiu para que fosse para a casa dos seus pais, no Bairro da CALUMANDA, relativamente perto do local que eu pretendia, no Largo do Palácio. No entanto ainda não os conhecia e preferi instalar-me numa pensão, como lho solicitara. Encaminhou-me então para uma Pensão situada na Avenida NORTON DE MATOS, defronte das antigas instalações do Rádio Clube do Huambo e onde, de boa fé, ele pensava que eu ficaria bem instalado. Ali jantámos ainda e com o cansaço da longa viagem preferi deitar-me cedo, seguindo para o quarto que mal conhecera; o aspecto não era muito agradável, mas o principal então era dormir uma boa soneca! Era um puro engano! Em breve comecei a ser incomodado por pequenos e estranhos visitantes os quais foram sendo eliminados antes que fosse eu a maior vítima. A cena repetiu-se durante aquela malfada noite e eu rogando pragas ao amigo AFONSO e aos proprietários; levantei-me meio estremunhado, protestei junto do respectivo encarregado e com o dono da pensão e, depois dum rápido mata-bicho, segui para a Direcção de Fazenda, ali bastante perto.
Era o meu primeiro dia de serviço na Fazenda Pública (28 de Setembro); ali encontrei diversos colegas naturais do LUBANGO, uns amigos e colegas do Liceu (FERNANDO GARCEZ, ÁLVARO DE SOUSA, CONCEIÇÃO, ANTÓNIO CANDUZEIRO e outros que foram nossos vizinhos, próximos da casa do tio JOÃO : JAIME VIANA LEITÃO e RUI BORGES ALEXANDRINO. Como o Director dos Serviços (EMÍLIO SIMÕES DE ABREU) era natural da HUILA (HUMPATA), pertencendo a uma família há muitos anos ali instalada e já bem "ramificada", era normal estarem muitos "Chicoronhos" colocados naqueles Serviços. O ambiente era o melhor que podia esperar, mas contrariado pelo irritante barulho dos pedreiros durante todo o dia, ainda com obras por concluir já que aqueles Serviços tinham estado instalados provisoriamente num outro edifício e haviam mudado para ali mesmo assim sem as obras estarem terminadas! Narrei a minha estreia na Pensão e deram-me folga para mudar para um outro local que me indicaram como o mais aconselhável, ou seja o "ÁFRICA HOTEL", gerido pelos irmãos MACHADOS, também "sulistas".
Como não tinha interesse, nem posses para um quarto especial visto que era um Hotel de primeira, fiquei instalado num outro edifício ali próximo, sob a mesma gerência. Estava situado então num primeiro andar do prédio "FARELO", por cima da Agência da DTA, com uma boa varanda e virado para a Avenida NORTON de MATOS, ou seja mesmo defronte do Hotel; ali próximo existia um grande largo, frontal à Câmara Municipal e aos Correios; não ficava também muito distante do Largo do Palácio e o trajecto até era bonito e agradável. Entrei em contacto com o AFONSO para lhe dar conhecimento da minha forçada mudança. Como a Pensão era bastante conhecida e situada, os proprietários pessoas bem vistas no meio citadino, ali mesmo defronte ao Rádio Clube, sempre pensou que eu ficaria bem instalado; era um prédio já antigo mas que devia estar mais "fiscalizado" contra os potenciais inimigos nocturnos! Tive uma estreia um pouco agitada!




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--- (Foto Direcção Finanças- NOVA LISBOA) --
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Na Direcção Distrital, fui colocado na 2ª secção, chefiada por RUI ALEXANDRINO que foi o meu mestre do ofício; com ele aprendi o "ABC" dos Serviços de Fazenda e Contabilidade. Havia ali um outro colega RUI (ROSÁRIO), filho do Director Distrital, sendo sub-director o Sr. MOURA. Na 1ª secção estavam então os "chicoronhos" : ANTÓNIO CANDUZEIRO, ÁLVARO DE SOUSA e a CONCEIÇÃO; na 3ª secção encontrava-se mais um "Huílano" de gema, o JAIME LEITÃO. Estavam ainda mais alguns colegas, não conhecidos : - CATELA DE MIRANDA, COELHO JÚNIOR, FLORINDO CRISTELO e VICTOR LOBATO. Um dos meus serviços era relacionado com a "despesa pública" de particulares(diversos fornecimentos e obras dos Serviços Públicos, deslocações e transportes, etc.) e dos funcionários de todo o Distrito do HUAMBO (vencimentos, subsídios, passagens, ajudas de custo e demais abonos a que tivessem direito). Para esse controle e respectivas autorizações, todos funcionários transitavam com guias por intermédio do nosso serviço. Todas as despesas tinham de ser autorizadas por despacho semanal do respectivo governador do distrito através do nosso Director. A preparação de parte desse expediente ficara a meu cargo.

-- Tinha portanto um amplo, assíduo e diversificado contacto com bastantes funcionários e particulares. Nesse sistema então vigente, todas as folhas de vencimentos e demais despesas dos diversos Serviços Públicos, passavam por aquela Secção e algumas delas a meu cargo. Depressa entrei naquela engrenagem, (completamente nova para mim), principalmente devido à boa vontade e simpatia do RUI ALEXANDRINO e demais colegas. Que diferença monumental para a situação de que havia saído!...

Nessa altura sentia que tinha realmente chegado a minha boa hora, num serviço e ambiente compatível com o que ambicionava e para o que me fora preparando durante os últimos anos. As melhorias financeiras e "sociais" também eram consideráveis, tanto mais que começava as minhas funções com a categoria de 3º oficial, acima da inicial; embora ainda na situação de interino mas auferindo as mesmas regalias (e extras) como se já pertencesse ao Quadro. Os Serviços de Fazenda tinham como que um "Estatuto especial",compensados com comparticipações de receitas que poucos outros Quadros tinham, normalmente equiparado ao dos Alfandegários. E assim, instalado no "ÁFRICA HOTEL", um dos melhores da cidade, com quarto completamente independente, estava como "peixe na água". Era então o local mais frequentado por oficiais do exército, em comissões de serviço, com suas famílias e por alguns funcionários e particulares "bem colocados na vida"! Para mais regalo particular também podia beneficiar do cartão de "livre-trânsito" da Direcção ou da Repartição (fiscalização) que circulava por todos funcionários interessados, independentemente das respectivas categorias, permitindo entradas gratuitas e com lugares reservados em todos os espectáculos públicos, incluindo os organizados pelos clubes locais (Atlético, Benfica, Ferrovia , Sporting,etc.). Nesse aspecto era uma continuação do que já beneficiava com o cartão de redactor do Jornal "A HUÍLA", em SÁ DA BANDEIRA e foi bom não ter perdido esse privilégio!
Depressa estabeleci novos contactos e renovei outros anteriores com colegas que também haviam estudado no Liceu "DIOGO CÃO", alguns até companheiros de certas diversões, como no caso do FERNANDES("FINÍNHO"), ALEXANDRINO DA COSTA, PESSOA, MACHADO, COSTA CARNEIRO e mais alguns. Por diversas vezes, em especial aos sábados ou domingos fui convidado para almoçar em casa dos pais do amigo AFONSO. O seu pai era então o Chefe da Polícia local, mais conhecido por "Chefe NAPOLEÃO". Era bastante forte, atarracado, com "cara dura" e sabia manter a disciplina e o respeito; no entanto, esse "cara dura", contactado pessoalmente era uma óptima e agradável companhia; sua esposa, D.( ? ) , embora de aspecto frágil, não lhe ficava atrás, sendo ainda uma maravilhosa pessoa no tratamento com os seus convidados, com uma mão muito especial para a culinária e doçaria. Era de comer e chorar por mais, como se costuma dizer! Sempre que eu lá ia insistiam para que deixasse o Hotel e ficasse ali instalado; no entanto já constatara que a sua casa era relativamente pequena e iria provocar alterações ou certos incómodos nas suas vidas rotineiras.
 Por outro lado gostava bastante das minhas instalações, independentes e cómodas. Havia um autocarro camarário mesmo "à porta" e com facilidade deslocava-me até à baixa para frequentar o "CINEMA RUACANÁ", as livrarias, esplanadas, cafés ou pastelarias. Também me podia deslocar até ao Bairro do FERROVIA e a outros que me interessassem em qualquer altura. Não me faltavam locais para distracção ou simplesmente para passar o tempo até me integrar completamente naquele ambiente ainda novo e diferente em certos aspectos dum meio "sulista", de mais descontracção, mais à vontade e sem reservas.
Um dos meus colegas dos tempos do Liceu e companheiro de algumas paródias no LUBANGO, a primeira vez que me encontrou num intervalo do "Cinema RUACANÁ", depois dum franco abraço, reparando na forma simples como eu estava vestido, disse-me, meio a gozar, que eu, estando ali na Fazenda, não devia..."andar assim, à vontade "! ... Realmente estava a destoar de muitos dos frequentadores daquela "chique" sala de espectáculos, tanto mais numa zona com lugar "reservado" ! É claro que essa recomendação em nada alterou os meus hábitos; estava-me nas tintas; muitos deles é que precisavam da minha intervenção no serviço de que era o encarregado e responsável. Muitos teriam fornecimentos feitos ao Estado e pendentes de prazos para os seus despachos e das suas liquidações, o que muitas vezes também passava pelas minhas mãos.
A nossa Direcção de Serviços tinha mudado de instalações pouco antes (do PALÁCIO DO COMÉRCIO) e ainda nem estava conveniente organizada, com muitos assuntos atrasados ou pendentes, até porque também ali ainda havia falta de funcionários. Diversos comerciantes, industriais, além de muitos funcionários dos diversos Serviços Públicos ali se deslocavam com frequência para tentarem obter a resolução dos seus variados assuntos com desejada brevidade.
Ainda continuavam as referidas obras, mesmo dentro das diversas Secções já em funcionamento e também pela parte de fora, constituindo dificuldades acrescidas ao bom desempenho das nossas tarefas normais. Respondi então a esse meu colega que, não só pelo que mencionara, mas ainda por uma questão de hábito e de princípios, não necessitava de gravata para ser procurado e contactado constantemente (pelos engravatados) com pedidos de interferências pessoais na resolução das suas necessidades, normais e compreensíveis, mas no entanto sujeitas às referidas dificuldades que nós tínhamos em satisfazê-los. Havia sempre e quase nunca deixou de haver, umas certas burocracias a vencer. Creio ter desempenhado o melhor possível, com agrado geral. Eu, um estreante, pouco tempo antes um simples escriturário e atendedor numa mini-cantina, vendendo copos ou garrafas de vinho com sandes de cebola e latas de atum, tinha então "na mão" dezenas das mais conceituadas personalidades e firmas da cidade, de muitos funcionários públicos, sem nunca me aproveitar dessa posição a que, eu próprio, pouco valor atribuía; era uma situação de mera circunstância, mas, em casos paralelos outros talvez se fossem ajeitando!

A minha permanência no "ÁFRICA HOTEL", se bem que agradável, não iria demorar muito tempo. Meus pais, preocupados como sempre e como
muitos outros,  pelo melhor possível para os filhos, no sentido ainda de poder fazer uma vida não só mais económica, mas também mais amparado, e tendo conhecimento da presença em NOVA LISBOA duma senhora, viúva, anteriormente residente no LUBANGO e fazendo parte das suas relações, logo me enviaram a sua direcção e uma "carta de recomendação" no sentido dum possível alojamento mais "familiar". Pensando ainda na situação difícil que meus pais tinham atravessado e na intenção de os poder ajudar, não deixei de efectuar esse contacto que realmente se concretizou.
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Fiquei instalado numa parte dessa casa, onde já estavam mais dois hóspedes : o BERNARDO e o TOMÉ (ex-colega da Escola "60" e do Liceu), ambos viajantes individuais naquela zona. O tratamento era de facto familiar e aberto, sem cerimónias o que me agradava mais do que as requintadas refeições no referido Hotel e ficando realmente bastante mais económico. Embora o meu vencimento fosse razoável devia ser bem gerido e aproveitado também para outros fins.
Na companhia dos colegas JAIME e do JACINTO (este em serviço na Repartição e mais conhecido por SABÚ, de unhas bastante compridas, também natural de MOÇÂMEDES,) depressa alarguei as minhas relações pessoais. O "SABÚ", oficial de diligências ali instalado há alguns anos, "por dever de ofício" conhecia imensa gente e todos recantos da cidade e dos seus bairros : - Benfica, S. Pedro, Casa Branca, Ferrovia (CFB.), S. João, S. António, Cemitério, Calumanda e outros); visitavam lugares de reunião com outros seus amigos : GIRÃO, ANTÓNIO BURITY DA SILVA, ERNESTO LARA(FILHO), etc. Os dois utilizavam as suas motorizadas em que me davam boleia. Assim, a solução mais prática era adquirir também uma (a primeira na minha vida em que não tinha tido sequer um triciclo, nem bicicleta própria). concretizei a sua aquisição(em prestações reduzidas) na loja do amigo CARVALHINHA DE SOUSA, ligado à família ESPINHA, de SÁ DA BANDEIRA. Assim apetrechado já estava habilitado a acompanhá-los nas suas digressões pelos arredores da cidade.
A nova senhoria tinha também alguns vizinhos "sulistas" (NÓBREGA, CARDOSO) com quem nos encontrávamos muitas vezes, em jogos de cartas caseiros, em idas ao "CINEMA RUACANÁ" ou ao "FERROVIA" e a alguns bailes ou festas dos clubes da cidade. Iniciei contactos com o casal MARTINS e suas duas filhas, residentes no Bairro de S. JOÃO, antigos residentes na HUILA (LUBANGO) e também ainda com ligações à família GIESTAS,(nossos vizinhos e senhorios). Outras vezes, aos sábados ou domingos, ia também almoçar em casa da "tia DULCE",(BARATA FEIO F. COSTA),mãe da LUISA -- a "ZITA" --,então já casada com o CARLOS MANUEL VIANA, funcionário dos CTT), residentes nessa ocasião em NOVA LISBOA, recordando os tempos de infância no nosso Bairro do LUBANGO. Éramos vizinhos,bem próximos, da casa do nosso tio JOÃO CORREIA e tia EUDÓXIA (irmã da "tia" DULCE), e ali nos reuníamos em festas familiares de gratas recordações.).
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-- SÁ BANDEIRA, ou por outra, o velho LUBANGO, teve por base diversas famílias de colonos que ali se radicaram e depressa se ramificaram e assim em breve a sua população era como que uma grande família; muitos por ali continuaram e outros tentaram melhor sorte em diversas paragens; já conhecia uma das suas filhas quando estivera em casa dos tios e nossos vizinhos, GIESTAS. Com essas antigas relações era tratado quase como um outro familiar; de notar que era esse sempre e, por todo o lado, o modo de convivência dos "chicoronhos", talvez pelos maus momentos que padeceram logo de início ou que se tenham prolongado até em muitos casos menos felizes; os amigos ou os "amigos dos amigos" eram sempre bem recebidos e estimados, o que talvez até se notasse melhor quando afastados do seu próprio ambiente! ; mas esse também se foi alargando para com as pessoas estranhas às suas origens comuns!
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==========================---------- 1957 -- NOVA LISBOA --------------

O pai do AFONSO, ("Chefe NAPOLEÃO"), aposentara-se. Talvez pelas vias burocráticas ou do trânsito habitual dos funcionários na Secção onde eu trabalhava, tomei conhecimento da identidade do seu substituto. Assim, foi com uma certa surpresa e satisfação quando constatei ser, nem mais nem menos, o antigo Chefe da Polícia do LUBANGO, CUNHA VELHO, o qual eu conhecera algum tempo antes, quando foi do almoço do "Dia da Polícia", naquela cidade, e com quem contactei novamente uns dias depois por causa da serenata agitada, junto ao "Colégio das Madres"! Em breve entramos em novo contacto pessoal que, como éramos solteiros, depressa se alargara. Passara a ter ali, afinal, um novo amigo e companheiro que várias vezes me convidava para fazer-lhe companhia nas suas rondas nocturnas pelos bairros, principalmente onde tinha de fiscalizar e controlar certos lugares de diversões que muitas vezes se prolongavam por horas indevidas. Tal como o seu antecessor, também sabia manter a ordem pública, não permitindo excessos inconvenientes. Em certas alturas também me convidava para a visita aos recintos onde ensaiavam, "à porta fechada", com o acesso muito restrito, diversas marchas populares ou para o desfile de Carnaval. Era mais uma facilidade para entradas em locais reservados.
Utilizando o cartão de livre-trânsito dos nossos Serviços, deslocava-me também muitas vezes às instalações do Clube Ferrovia ; além duma boa sala de festas e do cinema, tinha piscina e recintos desportivos com bastantes frequentadores; nas suas festas ou bailes periódicos actuava então o seu conjunto musical do qual faziam parte o EDUARDO AFONSO e o PEIXINHO (também já conhecido da CHIBIA).
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***-- 1957 - ABRIL - 27 - Portaria nº 9.739 - Cria a CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEXANDRE, com o Plano de Urbanização já aprovado.

*** -- 1957 -- De 8 a 25 de Agosto os Serviços Culturais da Câmara Municipal de NOVA LISBOA, comemorando o 45º Aniversário da fundação da cidade, promoveram um "Curso de Férias", com a participação de algumas personalidades locais e doutras cidades, com a assistência de diversas entidades oficiais e muitos funcionários públicos e em que também participei. A Sessão Inaugural" teve a presença do Senhores Governador do Distrito e o Bispo da Diocese. É curioso registar que a Portaria nº 1.040, de 8 de Agosto de 1912, Governo do General NORTON DE MATOS, criou a "povoação CIDADE DO HUAMBO", só mais tarde (1958) designada "oficialmente" CIDADE DE NOVA LISBOA " por VICENTE FERREIRA.
-- Durante o dia 11 de Agosto realizou-se uma Romagem ao Forte da QUISSALA onde teve lugar uma palestra proferida pelo Professor JÚLIO DIAMANTINO DE MOURA.
No último dia (25), durante a "Sessão de Encerramento" pelo Governador de Distrito, foram conferidos diplomas aos alunos do Curso e efectuada a entrega dos Prémios atribuídos aos vencedores do Concurso Literário. O dia terminou com um passeio à "Ilha dos Amores". Neste Curso tomaram parte também alguns dos meus colegas dos Serviços de Fazenda do HUAMBO : - ANTÓNIO JOSÉ WOLFANGO, ARTUR COCHAT OSÓRIO, JOAQUIM VIEIRA DOS REIS, MANUEL GOMES DA LUZ, RUY AMÁLIO DA FONSECA ROSÁRIO e RUI BORGES ALEXANDRINO - (Ver "LISTA GERAL")- ....................................................................................................................................
Um casal de hóspedes instalado também nessa mesma casa, mas sem grandes comodidades e receando falta de segurança por estar isolada e rodeada de caniçais, decidiu sair e abrir uma outra de sua conta e pouco distante dali, à beira da estrada que dava acesso ao restante bairro e para a qual me convidaram mudar. Com o meu caso da gripe tive de concluir que o isolamento acabava por ser um pouco superior ao aconselhável, sendo talvez conveniente aceitar ainda mais uma outra mudança de instalação. Por outro lado constatara-se que haviam começado a surgir certos problemas nos locais menos frequentados e pouco seguros, principalmente durante a noite. Achei de facto ser uma melhor solução; os tempos já não eram os mesmos que antes; começara a reinar uma certa desorientação social, manobrada por interesses externos, disfarçados, mas não totalmente desconhecidos.
Pareceu-me que chegara a altura de procurar uma vida mais calma e regrada ou talvez mais estabilizada. O meu futuro profissional estava traçado e praticamente assegurado; era apenas uma questão de algum tempo e no fundo, quase no subconsciente, erguiam-se anteriores recordações, um sentimento mais profundo, com antigas raízes e que teimava ressurgir; para isso era conveniente recuar uns anos; era necessário restabelecer um antigo contacto, real e mais dirigido para esse objectivo! Começava a ser tempo de dar novo e talvez definitivo rumo à minha vida.

-- Por alturas do Natal, decidi então "dar uma escapadela" ao LUBANGO, aproveitando uma certa tolerância oficial que era permitida nessa quadra; precisava de ir fazer uma visita aos meus pais, à família, amigos e, em especial, retemperar as assíduas e nunca esquecidas recordações, sobretudo as que mais me tinham marcado nos belos momentos passados junto de certas amigas. Nunca se tinham esfumado, antes pelo contrário, teriam aumentado com a sua já longa ausência. Era um imperativo voltar a vê-las, senti-las bem próximo e, sei lá, tomar uma outra atitude mais definitiva. Tínhamos nas nossas amizades e nas boas recordações as imagens dum convívio directo, quase diário, que durara cerca de 6 anos ! Não eram fáceis de esquecer sem ter "sobrado" um sentimento bastante importante !
Como ainda estava na situação de interino, tinha de ser uma visita limitada, sujeita aos horários da habitual carreira. Durante essa "longa e interminável" viagem muitos e contraditórios pensamentos me assaltavam, baralhando o "coração e a razão", como se estivessem nos pratos duma invisível e imperdoável balança! Como deveria agir sem estar ainda com o meu futuro efectivamente determinado e por quanto tempo ainda me manteria nessa dúvida! Nem sabia quando, nem onde seria colocado na altura da nomeação para o Quadro, embora tivesse a certeza que esse lugar já estava garantido. Nessa situação, seria lógico assumir um compromisso ?! Como decidir mediante aqueles confusos e contraditórios pensamentos ?!
Chegado à tardinha a SÁ DA BANDEIRA, apenas fui a casa dos meus pais, a mesma, situada no largo que dava acesso à "Ponte do Chouriço" e, do outro lado, à estrada que, já no alto, terminava precisamente junto à casa de "alguém" que tanto me cativara durante aqueles 6 anos e que permanecia silenciosa mas inesquecível dentro de mim !
De seguida, encaminhei-me então nessa direcção, subindo aquela longa rua, junto ao Colégio das Madres.
Nesse momento eu também nem sabia ao certo qual a posição dela, ainda jovem estudante num Curso Técnico da Escola Industrial. Talvez eu me tivesse descuidado com essa relação sentimental, envolvido noutras passageiras situações, mas, no fundo, acreditava e sentia que aquela seria a verdadeira, a mais profunda e indestrutível ao longo do tempo (já haviam decorrido mais de 10 anos!)
Era como que um "drama interior" que me preenchera o espírito durante toda aquela viagem e que se prolongava a cada momento, a cada passo, sem chegar a um entendimento correcto. Eu tinha a máxima consideração e respeito pelos seus pais, pela restante família, em especial pelos seus avós, nossos antigos senhorios e pelos actuais, que eram seus tios. Não devia cometer um deslize, nem ofender essas nossas amizades. Tudo isso mantinha-me confuso e baralhado, mas não desejava desperdiçar aquela oportunidade, arriscando-me talvez perdê-la para sempre !
-- Na situação transitória em que ainda me encontrava, achava que não devia assumir um compromisso efectivo, definitivo, se esse fosse também o seu entendimento. Mas, eu não podia falhar e temia arriscar esse falhanço!
No entanto, muitas vezes é o dito "destino" ou o "Tempo" quem decide os nossos problemas, por sua conta e risco, indiferente aos nossos sonhos ou desejos!
Depois da recepção bastante amável e simpática que me dispensaram, notei a existência dum certo ambiente de apreensão, de tristeza, que acabou por me ser divulgado : um moço, talvez seu anterior colega, seu amigo ou "algo mais", que havia seguido algum tempo antes para TIMOR, em serviço militar, ali falecera algum tempo antes desta minha visita! Perante uma situação daquela grandeza, esmagadora, nada mais havia a decidir naquele triste momento, senão e apenas o de tentar confortá-los com sinceridade e amizade. Era uma autêntica martelada na minha já tão confusa cabeça!

Ali estive perplexo durante alguns instantes naquele ambiente pesado e trágico. Nada mais me restava do que regressar a casa para concluir a visita familiar e seguir viagem para NOVA LISBOA, logo que possível e conveniente, evitando ter qualquer dia de falta ao serviço e refugiar-me no meu casulo.
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Talvez fosse, mais uma vez, o "Tempo" a decidir!
-- No entanto, o "Tempo" também muitas vezes pouco resolve ou ainda complica mais certas situações, ou somos nós, incapazes de as resolver, que ainda mais as dificultamos. Foi nesse estado de espírito que regressei a NOVA LISBOA; o futuro ainda estava à minha frente e teria de o aceitar ou tentar vencê-lo.
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Surgira então a minha nomeação definitiva para o Quadro dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, como aspirante, sendo colocado, sem qualquer pedido, na Repartição do 2º Bairro Fiscal de LUANDA, recentemente aberta. A colocação nessa Repartição era quase um certo privilégio, pouco acessível a muitos dos interessados, situação que eu então desconhecia, portanto para a qual nem movimentara qualquer interferência; penso no entanto que foi ideia do colega e amigo, FLORINDO CRISTELO, então chefiando a Secção de Pessoal e que antes estivera também naquela Direcção do HUAMBO. Nessa altura, sendo ele também solteiro, tínhamos estabelecido de facto uma boa amizade.
Desse modo regressaria eu a LUANDA com uma certa satisfação, mas também com apreensão e contrariedade por quanto mais uma vez ia deixar para trás, o que já começava a ser uma situação habitual, mas contra a qual nada podia fazer. Ficava ainda mais afastado de SÁ DA BANDEIRA e com muito menos hipóteses de lá voltar de visita à casa paterna e à companhia doutras pessoas bastante estimadas. No entanto era o meu acesso definitivo a um Quadro com certo prestígio social e mais compensador do que a grande maioria dentro do funcionalismo.
Fiquei depois a saber que aquela Repartição era desejada por muitos dos colegas pelo facto de estar inserida na imensa zona não urbana de LUANDA, em acelerado desenvolvimento urbanístico e industrial, onde as transacções de terrenos se multiplicavam e atingiam valores antes pouco imagináveis.
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-- Mais uma vez fiz as malas, eternas companheiras, tratei de vender a motorizada, despedir-me dos colegas, amigas e amigos, alguns conhecidos e de abalar mais uma vez rumo à histórica capital onde havia deixado também inesquecíveis recordações. Assim, seguia com novas esperanças e ainda na busca de consolidar alguns conhecimentos já adquiridos e de tentar aumentá-los. Os meus anteriores trabalhos e pesquisas efectuados nessa altura na Biblioteca do Quartel-General, muito pouco tinham avançado e talvez fosse a altura de lhes dar mais um "empurrão". Só o "Tempo" daria a necessária resposta.
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--------------- 1958 - (LUANDA) ----------------


Segui então de comboio (CFB) para o LOBITO em 14 de Janeiro de 1958, para ali embarcar até LUANDA. Precisamente cinco anos depois da minha primeira ida para a desejada capital! Essa via-férrea era então a verdadeira "coluna vertebral" de ANGOLA, tendo o seu imenso corpo com a "cabeça" mergulhada no ATLÂNTICO, o seu braço direito, o rio QUANZA e o rio CUNENE o seu braço esquerdo; mais distante, o rio CASSAI era a sua perna direita e o CUANDO a esquerda, finalizando com um pé mergulhado no esplendoroso ZAMBEZE !
A chegada à baía de LUANDA, já em pleno dia, não deixava de ser também empolgante, onde, da ponta da Ilha ao Farol oposto parecia abrir seus braços aos que chegavam. O porto tinha um imenso movimento, com os enormes guindastes gemendo com pesados contentores, saindo ou entrando nos grandes porões escancarados, mostrando o ventre de inúmeros e diversos navios, portugueses e estrangeiros, ali encostados. Vagões de compridos comboios e filas de camiões que iam e vinham, eram as veias de alimentação da grande cidade.
Centenas de carregadores, operários, serventes, caminhando apressadamente, completavam esse irrequieto quadro. Pelo seu meio, fazendo gincana, serpenteando, desviando, acelerando, inúmeros táxis cumpriam a sua missão. Num deles lá ia eu, apreciando as belezas da baía e do outro lado os grandes e arrojados imóveis que não deixavam de crescer, em grande parte mercê da quase inesperada evolução do café, do sisal e de outros produtos em disparado crescimento económico. O trânsito também se ressentira desse facto, deslizando centenas de pequenos carros, motos, bicicletas, pelo asfalto ou até já os grandes "rabos de peixe", os "espadalhões" dos novos ricos da cidade ou do interior quando se deslocavam à capital e faziam luxo em "botar figura", espalhando grandes notas pelos recentes bares nocturnos.
O "meu" táxi chegou ao local que eu indicara, ou seja junto duma pensão, situada numa nova avenida ali bem próximo da Repartição do 2º Bairro Fiscal, (CRUZEIRO), onde iria trabalhar, evitando assim as demoradas e complicadas deslocações.
No entanto, influenciado então por outros colegas e pelo CRISTELO que estava instalado na "Pensão Faias", na baixa, bem próximo da MUTAMBA, onde com facilidade podia apanhar os "maximbombos" até aquele local de serviço, acabei por mudar para ali. Além desse colega, estavam lá instalados mais alguns (irmãos GASPAR e o TEODOLINDO MAIA). A Pensão estava situada num primeiro andar da Avenida principal (SALVADOR CORREIA), para a qual dava o seu grande salão e varandas, defronte dos ARMAZÉNS DO MINHO (?).
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Tinha ali alguns quartos, alinhados ao longo dum comprido corredor e ampla varanda aberta; o meu ficava mesmo ao fundo, num canto, havendo alguns outros quartos no prolongamento perpendicular desse corredor/varanda. Cada quarto tinha, além da porta, também uma larga janela virada para esse corredor. No amplo salão de refeições "imperava" o mestre ZÉ; fiquei instalado na mesa dos meus colegas, que, como "fazendários" lhes dispensava o máximo das atenções!
A Repartição de Fazenda do 2º Bairro ficava situada no Bairro do Cruzeiro, depois do Mercado de QUINAXIXE (Largo da MARIA DA FONTE) e numa transversal já a caminho do "Cemitério dos ingleses". Ali iniciei as minhas novas funções no dia 17 de Janeiro e encontrei um colega da tropa, o AMARAL(aspirante) e um do Liceu "DIOGO CÃO", o GIZELO(fiscal de impostos), filho do Director Geral, SIMÕES DE ABREU, sendo estes últimos naturais do LUBANGO, ainda com ligações familiares; os outros dois fiscais eram : o MESQUITA e o RIBEIRO("Camarada"). Recordo-me de alguns outros colegas : ANDRADE, ARISTIDES, GUISE, LEMOS, PAULO, SILVA, .. (?) .Como já tinha alguma prática de contabilidade, além do Curso de Secretaria da tropa, como o AMARAL, (e dos conhecimentos que adquiri na 2ª Secção da Direcção do HUAMBO), fomos logo colocados na "Secretaria" daquela Repartição para o serviço burocrático e contabilidade, enquanto os lugares mais desejados pela maioria dos colegas eram os do balcão, no atendimento do público. Logo confirmámos a sua interessada "vocação" : nessa altura e naquela zona surgira uma imensa venda de lotes de terrenos para novas construções (antes muceques (musseques) com barracas de "pau-a-pique"), principalmente relacionados com uma firma da "Madame BERMANN". A cada transmissão dessas correspondia um processo para efeitos do pagamento da respectiva sisa e das suas "custas", dependentes do valor total atribuído à transmissão e depois rectificado por avaliação (nesta intervinham alternadamente os três fiscais de impostos). As necessárias declarações deviam dar logo entrada num livro de registo geral e seguirem uma distribuição ordenada pela lista (escala) de todos os aspirantes ali em serviço; o que geralmente acontecia era que as de valor mais elevado então recebidas no balcão por um ou outro aspirante, ficavam retidas na sua posse para dar entrada na altura mais conveniente; acontecia que aos restantes, os da "Secretaria", instalados no interior da Repartição, só cabiam as participações com valores mais baixos ! O mais criticável era que até o próprio adjunto da Repartição aceitava e entrava nesse jogo sujo, pouco correcto e, digamos, mesmo desonesto! Nós, os de "Secretaria", bem depressa manifestámos a nossa discordância mas entretanto a situação ainda se manteve algum tempo. Era eu que tinha de elaborar as folhas do vencimentos(normais) e as das custas e emolumentos(não só em processos de sisa como ainda noutros) numa outra em separado, cujos valores eram apurados por consulta e registo das "contas" de todos os processos e, depois de concluída apressadamente a competente contabilidade mensal. Até o próprio Chefe da Repartição, pouco "Cavalheiro", não me "largava a berguilha" enquanto não conseguisse apurar esses valores, uma vez que ele comparticipava em todos os processos, tendo assim a "parte de leão". Essas folhas seguiam para a Direcção dos Serviços onde tinham de ser liquidadas a toda velocidade perante influências externas. Com isso acabávamos por beneficiar todos pois, em poucos dias, já as "custas" cantavam no bolso e eram, em boa parte, "transformadas em patas de elefante" na esplanada do BALEIZÃO ou convertidas em "Bifes à Floresta" !
Quanto ao nosso "chefão", sabíamos que as "queimava" em longas noites de farra, depois das quais ficava uns dias no "merecido" descanso (de "molho"); mas, enquanto assim se mantinha, não nos atormentava com exigências descabidas.! De resto todos nos entendia-mos sem maiores problemas. Noutras das suas aventuras de que nos apercebíamos claramente quando falava "grosso", tinha a intervenção e colaboração do contínuo PIMENTEL.
A questão da distribuição dos processos acabou por ter uma outra solução, perante as nossas insistentes reclamações. Como era eu que controlava as contas das custas para efeitos de processamento das respectivas folhas, tinha perfeito conhecimento da injustiça que estava a ser cometida. Assim, acabou por ficar decidido que as custas revertiam todas para um "bolo", sendo depois repartidas por igual e, para esse efeito, os processos seriam todos elaborados na "Secretaria". Eu e o AMARAL acabamos por ficar com muito mais serviço do que a maioria dos outros colegas, continuando à mesma com a folha dos vencimentos, mas passou a haver mais justiça.
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Eu continuava bem instalado na "PENSÃO FAIAS". Depois do jantar fazíamos todos uns passeios nocturnos percorrendo diversas ruas e vielas, espreitando (não dava para mais) os bares de diversão ou apanhávamos ar fresco percorrendo a marginal. Os grandes clientes dessas casas nocturnas eram os "novos-ricos" do sisal e do café, bem acompanhados por parceiras que derramavam copos de whisky nos vasos das plantas que estavam ao lado das mesas; muitos deles eram depois despachados num táxi para o respectivo hotel porque já nem conseguiam conduzir os seus grandes espadas!
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O amigo ZÉ, chefe do salão da Pensão, decidira montar o seu próprio negócio com uma "Casa de Hóspedes" em tratamento económico, tipo familiar e logo desafiara os componentes do nosso grupo para seus clientes. Também aderiram : o meu irmão RUI que entretanto havia sido transferido para LUANDA e o amigo NOBRE TEIXEIRA, funcionário da Alfândega, há pouco tempo hospedado na mesma Pensão e que já era nosso conhecido de SÁ DA BANDEIRA, quando esteve a ocupar um quarto ao lado do HUMBERTO (onde antes estivera o QUEIROZ). A mudança para a casa do ZÉ acabou por se concretizar, mas como não tinha quartos suficientes, optei por arranjar um outro, em separado.

Com o NOBRE TEIXEIRA ingressamos na ASSOCIAÇÃO DOS NATURAIS DE ANGOLA e na LIGA NACIONAL AFRICANA e, com o amigo (e colega) LAZARINO POULSON, já de mais idade e há muito radicado em LUANDA, passamos a frequentar essas instituições, chegando mesmo a tomar parte em certas reuniões da sua Direcção, bem como ainda nas suas festas, bailes, e iniciando alguma colaboração com o seu Jornal.
Ainda com o TEIXEIRA e, a dada altura, tínhamos alugado um toldo de praia para os sábados e domingos, na MAIANGA, que também servia de apoio a algumas frequentadoras, passageiras ou já habituais. Era então uma das praias com mais "clientes".
Com o cartão de "livre-trânsito" da fiscalização tinha acesso ao Cinema MIRAMAR(com esplanada e um enorme "écran" ao ar livre), ao TROPICAL (na BRITO GODINS) e ao COLONIAL, em S. PAULO (inaugurado em 1940 para nativos) e até mesmo, por trocas, também ao RESTAURAÇÃO e ao da MAIANGA, com nova sua esplanada.
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*** - MAIO - 8 - Portaria nº 9.776 - Concede À CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEXANDRE o domínio dos terrenos do Estado.
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- JULHO -- No entanto, a roda da vida nunca pára e em mais uma vira-volta me havia de inquietar e alterar por completo todos planos até então arquitectados! O amigo e companheiro CRISTELO, estando como Chefe da Secção de Pessoal, telefona-me numa manhã, (estando eu bem descansado da vida), para me surpreender com uma inesperada proposta; ainda na véspera à tarde ou já de noite tínhamos estado a conversar e surgia agora com uma pergunta, sem mais rodeios, para a qual devia dar resposta urgente : - se eu aceitava ser colocado na Repartição de VILA GENERAL MACHADO (mais conhecida por CAMACUPA), como fiscal de impostos ? ; era uma categoria superior, embora em nomeação interina, mas na qual teria hipóteses de me manter e já com certas vantagens, além do respectivo aumento de vencimento e numa função que não era para desprezar. Numa Repartição de 3ª classe era automaticamente o substituto do seu chefe (Secretário). Entretanto, foi-me logo prevenindo: ..." mas olha que lá não escapas..." . Segundo constava, talvez por paródia, nalgumas vilas as mães de moças solteiras, escreviam para a Direcção dos Serviços a pedir a colocação de funcionários solteiros ! Além disso era uma das vilas com fama de ter muitas e belas raparigas solteiras, havendo poucos rapazes disponíveis.
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000000============---- (CAMACUPA) -- consultar : www.camacupa.com

-- Terminava assim, em 29 de Julho, a minha missão no 2º Bairro Fiscal de LUANDA, onde estivera, como aspirante do Quadro, durante apenas meia dúzia de meses, não sendo normal conseguir tão rapidamente essa "promoção"! O CRISTELO nem me deu tempo para respirar; ainda argumentei que lhe daria uma resposta quando nos encontrássemos ao fim da tarde, mas ele foi inflexível; era o tudo ou nada. O assunto era urgente e teria de marchar quanto antes! Lá surgia mais uma nova mudança, com o afastamento de relações sentimentais ainda frescas, sem ter concretizado a maioria dos planos que vinham sendo adiados! LUANDA voltaria, mais uma vez, a ficar-me na memória; já parecia uma autêntica condenação! Tinha de quebrar alguns laços de amizades e "arquivar" mais umas quantas recordações agradáveis, sem saber por quanto tempo. Era um outro adeus à linda baía, à ponta da Ilha que muitas vezes frequentei, última visão que ficaria quando o barco se afastasse para o largo!
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Nunca sonhara com aquela oportunidade que mais uma vez surgia inesperadamente na minha ainda breve carreira de funcionário. Eu sabia que ia substituir um colega transferido por causa de uns problemas sérios que havia desencadeado. O CRISTELO renovava o seu gozo, prevenindo-me que de CAMACUPA era difícil escapar solteiro. Verdade ou mentira lá ia eu, com a habitual mala, para uma nova rota, bem no centro de ANGOLA, precisamente no "Centro Geodésico" assinalado na sua pequena pista de aterragem, (mais tarde protegida por um "Cristo Rei", de braços abertos, certamente simbolizando que todos seriam ali bem-vindos).

Ainda tive a oportunidade de contactar com o colega JAIME, de NOVA LISBOA, para o informar do dia da minha passagem no "comboio-mala" a caminho das terras do BIÉ. Ele, entretanto, avisara uns amigos "chicoronhos"(ainda da família GIESTAS), pais duma antiga vizinha no LUBANGO, e com os quais também mantivera boas relações durante a minha ainda recente estadia naquela cidade (NOVA LISBOA). Assim, mais umas despedidas dos colegas, dos novos amigos e amigas iam ficando registadas na minha memória e no rol das recordações, sem saber por quanto "Tempo", talvez sem outras novas oportunidades!
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Na manhã seguinte à saída de LUANDA, ainda cedo, lá estava novamente à minha vista a linda "Restinga" da jovem cidade do LOBITO. Apanhei o comboio dessa tarde a caminho dos planaltos do HUAMBO e do BIÉ. A viagem duraria toda a noite e o dia seguinte, o que, mesmo num beliche, não era muito agradável, nem confortante. O cansaço e o sono reduziram esse contratempo, enquanto a minha imaginação se adiantava, relembrando algumas boas recordações de NOVA LISBOA e o que aguardaria depois, a seguir, em terras do BIÉ, que ainda desconhecia ; também terras históricas onde o venerando, heróico e malogrado SILVA PORTO, encerrara uma página sangrenta e a que assim deixara o seu nome ligado.

Na estação de NOVA LISBOA lá estava o amigo e colega, JAIME, acompanhado da amiga e antiga vizinha do LUBANGO. para um abraço com desejos de boa sorte no cargo que ia iniciar; o abraço do grande amigo JAIME era uma repetição do que me dera quando iniciei as minhas funções naquela cidade. Logo cedeu o lugar à amiga que ali me aguardava também; o tempo de paragem era curto, menor do que as saudades a recordar.
Nestes pequenos intervalos o "carismático CAMUTÁRI" percorria as carruagens, pelo lado de fora, detectando conhecidos ou não para lhe levarem cartas para outros locais daquele percurso; algumas nem seriam dele mas sim de outros amigos que lhe pediam esse favor; levava bem a sério essa sua missão, gratuitamente e sem pagamento do respectivo selo; e lá chegavam ao destino! Era uma personagem muito estimada na cidade, ali residentes desde "os velhos tempos" e bem conhecido pelas suas diversificadas "poupanças", armazenando tudo o que lhe despertasse interesse. Talvez a história mais divulgada era a do "tijolo" que achara no passeio, defronte de sua casa e entregara, pela janela, à sua mulher para o guardar; essa cena foi-se repetindo durante bastantes dias, pois o dito tijolo logo voltava para o passeio! Ao fim dum certo tempo, muito ufano teria dito (mais ao menos) à senhora o seguinte : ..."com todos os tijolos que apanhei, já podemos falar ao pedreiro para vir fazer o muro lá do quintal "... Ficou bem desiludido ao constar que afinal o "tijolo" era sempre o mesmo!...
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Com o estridente apito da máquina, uma bandeira vermelha recolhida e um último abraço de despedida, lá seguia todo aquele enorme conjunto de ferro e fumos negros, carregado de pessoas, carregado de esperanças, de sonhos ou realidades de quantos o utilizavam! Nas sucessivas estações, muitas gentes curiosas ("era o dia do mala"), desfilavam ao longo das carruagens tentando descortinar alguma cara conhecida; as carruagens lá seguiam de novo ao longo das suas linhas paralelas, firmes nas largas travessas de "mussibi", reforçadas por carradas de brita, já negras e queimadas pelo imenso calor das fornalhas das antigas máquinas a vapor, até surgirem as potentes "Garratts", indiferentes e acostumadas às muitas toneladas que suportavam, mas contribuindo decisivamente para o crescente desenvolvimento de muitas regiões. E assim foram nascendo as diversas Estações ferroviárias e crescendo as localidades por onde continuava a passar aquele monstro de ferro!
Surgiam ainda umas curtas paragens nas pequenas estações, que desconhecia, depois uma mais prolongada em SILVA PORTO-GARE, estando a cidade afastada alguns quilómetros, próxima do local onde o lendário sertanejo, SILVA PORTO, honrou tragicamente a Bandeira Nacional em troca da sua própria vida (em 1/4/1890).
Ao longo desta Estação, como noutras, surgia muita gente, nem todos apenas curiosos, mas tentando vender aos passageiros alguns produtos de suas hortas ou lavras; alguns desgraçados ainda corriam uns metros quando os malandros clientes, pendurados das janelas, não satisfaziam o devido pagamento e ainda achavam graça!

=======000000000-----------GENERAL MACHADO (CAMACUPA - 1958 )--------

Mais uma pequena paragem em CATABOLA (NOVA SINTRA) e, a seguir, ao fim da tarde, surgia finalmente o meu novo destino : CAMACUPA (GENERAL MACHADO)!
Para minha surpresa tinha um grupo de rapazes (incluindo o Recebedor da Repartição, meu colega e primo, HERNÂNI LAGE já ali colocado há algum tempo) e de várias raparigas à minha chegada; aliás era hábito muitas pessoas irem ver à passagem do "mala". Logo me disseram que estavam à espera do "brasileiro" (e já sabiam ser mais um solteiro para "reforçar" o grupo)! Entretanto surgira logo a dúvida entre as "recepcionistas" sobre a minha efectiva situação, pois, no mesmo comboio, por coincidência (uma das inconvenientes coincidências que às vezes me surgiram) tinha vindo uma das moças da terra (ALICE), que pertencia ao "grupo" e logo lhes dissera ter-me visto nessa mesma manhã, na Estação de NOVA LISBOA, a despedir-me de "uma senhora" ! Para completar o quadro, a sua imaginação englobara até umas crianças...talvez meus filhos !
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Os funcionários solteiros ali em serviço estavam instalados numa "Messe" gerida pelos seus proprietários (MÁRIO e o seu irmão, BERTO CAMPOS, casado com a diligente PALMIRA, então mais conhecida por "VÉLHINHA"). Possuíam também um café e uma pequena Livraria, mesmo ali ao lado e à disposição dos "jovens" leitores. O seu tratamento era óptimo e funcionava em sistema de "porta aberta", entrando e saindo não só os hóspedes como os amigos que lá iam cavaquear ou até para "bater uma soneca" depois do almoço, como acontecia com o Inspector ferroviário e quase vizinho (PIRES FERREIRA)ou parceiros para o "King" (CALDEIRA, ROQUE,CARLOS ALVES... Depressa me integrei no ambiente local; porém, fiquei logo a saber que a minha permanência naquela vila seria provavelmente muito curta! O colega que eu fora substituir por causa dum problema pessoal, de imediato me garantira que, apesar disso, não seria transferido! No entanto essas "razões" eram conhecidas e bem evidentes. Porém, muito mais "evidente" era um outro valor mais alto, demasiado alto, que já se havia movimentado a seu favor e por isso estava tão certo da sua continuidade naquelas funções. Quem era eu, embora cheio de razão, para ter a capacidade de contrariar uma "alta decisão" saída do Palácio de S. Bento! Ah, poder, a quanto obrigas! E tinha eu ido de tão longe, interrompendo uma curta e agradável permanência em LUANDA, efectuado um razoável dispêndio "à Fazenda Nacional" que se invocava constantemente, para ficar tudo..."em águas de bacalhau..."! A "influência" do amigo CRISTELO fora superada ! Nem sequer tentei qualquer interferência a meu favor, restando-me a alternativa de aguardar o que me sairia na rifa e, entretanto ir aproveitando o melhor possível aquelas forçadas férias, com passagens e ajudas de custo à conta do Orçamento.
Quase nem me valia a pena desfazer as malas; como ainda trazia alguns dos meus livros ("ASSIM SOMOS TODOS"), publicação que havia feito durante a estadia em NOVA LISBOA, aproveitei para ficarem expostos ali na pequena livraria, mesmo ao lado da "Messe", o que sempre me dava mais algum cartaz e talvez "uns cobres" para compensar as despesas! Era então o meu cartão de visita.
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Encontrei e convivi num ambiente bastante agradável, diferente do habitual nos meus últimos tempos; um ambiente sereno, quase "caseiro ou familiar". Ao fim das tardes, em pequenos grupos, rapazes e raparigas passeávamos pelas ruas da vila ou nos entretínhamos a "jogar ao anel" no bonito jardim camarário, com pérgolas envolvidas em trepadeiras floridas, situadas nos seus extremos; as mães, talvez vigilantes, conversavam nuns bancos por ali próximo e os pais iam se distraindo nos clubes jogando umas "suecadas"ou conversando com amigos. E assim, já com a minha "sentença" ditada para uma curta permanência naquela simpática e recatada vila, parecia que a outra "sentença", a do CRISTELO, não se iria concretizar pois nem teria tempo para criar raízes sentimentais, contrariando o que acontecera noutras paragens!...
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Porém, os contactos foram-se alargando, outras oportunidades foram surgindo e, de certo modo, se definindo. Afinal e mais uma vez o "destino" preparava-se para alterar ainda mais o meu rumo! CAMACUPA, era ainda uma pequena vila, pacata, com ambiente quase familiar, por vezes festivo nos seus dois clubes, com variadas e simples diversões, incluindo sessões de cinema (para as quais algum tempo antes ainda era necessário levar cadeiras de casa) e animados bailes e tardes dançantes (ditas "matinées"). Eu ali continuava, de férias, já que o colega nem chegara de facto a sair da Repartição onde o serviço era bem pouco para os que já estavam; restava-me aguardar pelo dia de mais uma etapa, desta vez sem saber ao certo para onde, pois não fiz qualquer diligência nesse sentido. Talvez tivesse mais sorte na próxima jornada!...
Continuando nessa expectativa, desconhecendo por completo para onde iria ser transferido, fui tomando parte nos passeios e conversas ao fim da tarde, nas diversões dos clubes ou nos piqueniques que entretanto surgiam englobando os rapazes e as raparigas do "grupo", às quais também se juntavam os seus pais, especialmente junto à "piscina"(tanque) do FLORA.
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Os habituais componentes desse grupo eram : LAGE, JÚLIO, OLIVEIRA, XAVIER, VALDEMAR, TONO... Quanto às raparigas : - ALICE, AMÉLIA, GINA, HELENA, ILDA, MILA, NELA, RAQUEL ("a professora")... Quanto aos seus Pais recordo-me principalmente das Famílias : ALBUQUERQUE - COSTA - DUARTE - FERNANDES - SANTOS MARQUES - SILVEIRINHA SERRANO - VERÍSSIMO. As posições foram-se clarificando no seu seio, já com pares mais ou menos definidos. Talvez, pela calada, fui sendo atingido por algumas certeiras "setas" lançadas por CUPIDO, ficando "apanhado" nas teias da deusa AFRODITE! Mas a sua origem parecia estar numa torre de marfim, considerada inacessível. Novamente entrava em acção o enigmático e imperdoável "Tempo" para me dar novos rumos à vida, ou ainda o dito "destino", pondo-me mais uma vez à prova, ou estaria gozando comigo ?!...
A "cunha ministerial", implacável, apontara-me o dedo, desviando-me para um quase desterro, para bem longe, desértico, em terra de degredados trabalhadores nativos, como se eu também fosse merecedor dalgum castigo! O meu colega "protegido" estava a salvo de qualquer punição, assim como o seu "sócio" também implicado no triste caso. Uma imensa esponja apagara tudo como se nada tivesse acontecido e eu, o "pião das nicas", sem culpa nenhuma é que tinha de pagar as favas e de servir de manta para abafar tudo e afastando-me dum ambiente que me fora bastante agradável !
Percorrera ANGOLA, quase do extremo norte (LUANDA) até ao centro (CAMACUPA) e de seguida iria ainda até ao extremo sul (PORTO ALEXANDRE), num desértico destino, como se fosse obrigado a cumprir uma pena que não me pertencia)!

        -=========-- ( FINAL : - PORTO ALEXANDRE / CAMACUPA - 1958/1959) ---

Tudo isso apenas pelo "crime" de ter aceite, inocentemente, uma nova missão que me fora disponibilizada com a melhor das intenções. E assim fui empandeirado para aquela distante vila, antes designada por "BAÍA DOS PEIXES" ou "ALEXANDER PORT". Mas, por outro capricho do "destino" fora nesse deserto implacável, nessa pequena vila histórica, quase esquecida do Mundo, que eu tinha sido baptizado no distante ano de 1933 (com ano de idade). Sendo assim, nem devia queixar-me, pois era quase um regresso às origens, já que nascera também ali bem próximo, apenas a cem quilómetros, na risonha cidade de MOÇÂMEDES, a princesa do NAMIBE!
Afinal, eu pertencia àquelas terras e devia assim regressar ao seu seio! Terá sido nisso que se baseou a douta e ilustre sentença Ministerial ?! ...
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Na "Messe" de CAMACUPA havia diversos livros, de uns e outros, que também circulavam por entre as jovens do grupo (e até incluindo alguns dos habituais visitantes), assim como os seus; "à socapa" iniciei umas trocas "privadas", mas incluindo algumas "camufladas mensagens"! O Cupido preparava suas setas!...
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Mais uma partida (10/10/1958) com a mala às costas; mais despedidas dos novos e antigos amigos; mais uma separação de algo que se fora aprofundado, talvez tentando evitar que se cumprisse a "sentença" do CRISTELO, que, se calhar, lá do alto da sua cátedra ia "sofrendo" com o panorama, pois também não conseguira contrariar a já aplicada "condenação" sem lugar a qualquer recurso!
Era, no entanto, um adeus até breve, pensava eu, sem revelar um segredo que entretanto surgira....
Segui novamente de comboio, agora em sentido oposto, a caminho de NOVA LISBOA, desta vez sem hipótese de um aviso prévio; devo ter chegado ali ao fim da tarde. Nessa altura tinha baixado as armas, deixando de continuar a lutar e entregando tudo à caprichosa sorte ou a um maior azar; o "Tempo", sempre o "Tempo", havia de resolver pelo melhor! E o melhor talvez fosse deixar de remar contra a maré.
Ainda fui tratar da mudança de transporte e no dia seguinte, pela manhã, iniciava a segunda etapa daquela mudança. Uma nova viagem pela carreira de "VENÂNCIO GUIMARÃES", conduzia-me de volta às terras da HUÍLA, berço de tantos "chicoronhos".
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A casa paterna ainda era no mesmo prédio da família GIESTAS, no Bairro do "Colégio das Madres", mas desta vez os planos estavam radicalmente alterados! Andava meio desorientado, confuso, sem vontade de relembrar antigas relações. Nessa breve passagem pelo LUBANGO quase nem tive tempo para visitar alguns familiares ou amigos doutros tempos. As guias de marcha eram decisivas, imperativas; no outro dia prosseguiria a viagem, sempre descendo, no estafante comboio que me levaria até MOÇÂMEDES, a minha terra natal.
Podia apreciar de novo toda aquela maravilhosa paisagem, aquela imensa e abrupta serra da CHELA e outras menores, no fim das quais se estendia o seco e agreste NAMIBE, com alguns pontos verdejantes, isolados e as enigmáticas miragens tentando enganar viajantes já cansados de tanta areia; um ou outro animal, saltitava e desaparecia naquela imensidão de dunas constantemente alteradas.
Nessa chegada não deixava de existir uma certa frustração : embora ali tivesse nascido, mal conhecia a cidade; só lá ia, anteriormente, em curtas férias, quando nosso pai ali esteve colocado; no entanto ali também existiam algumas outras amizades profundas, sólidas, quase familiares e mantidas durante muitos anos.
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Cumpridas as formalidades habituais das guias de marcha tinha à minha espera no Jeep da Repartição, o Secretário PRADO, para a minha deslocação até ao novo destino : PORTO ALEXANDRE. Faltavam percorrer mais cem quilómetros de deserto, cortando as dunas em diagonal, sem qualquer estrada definida; era conveniente nunca perder de vista os postes telefónicos, alinhados desde MOÇÂMEDES, sob o perigo de uma arriscada desorientação reforçada pela visão de novas, estranhas ou belas miragens, das espantosas, indescritíveis e famosas plantas do deserto (Welwitsh Mirabilis"), quais polvos gigantescos, retorcidas, ávidas de água, aguardando as humidades da noite.
Em toda aquela planura de imenso areal só existia a estranha depressão, com alguns quilómetros, chamada "BURACO". Num ou noutro local visionavam-se as graciosas cabras de leque, afastando-se rápidas e fugindo dum possível alcance humano. Depois, mais adiante, visto dum alto, mas ainda longe, lá estava o meu novo porto de destino, totalmente rodeado de deserto e mar (..." lá quase no fim da terra, lá quase no fim do mundo"... como dissera o Poeta!). Num outro lado, uma extensa e estreita mata verde, composta por muitos milhares de casuarinas, pacientemente plantadas à mão, servia de protecção contra o avanço das dunas, alimentadas pelas finas areias, arrastadas por fortes ventos (as bem conhecidas garroas) ; evitavam assim que as mesmas fossem atiradas contra os muros e as primeiras casas. Era então uma obra audaciosa, tenaz, chefiada pelo persistente senhor RAMOS, funcionário dos Serviços Florestais, sendo mantidas com atentas e corajosas regas à lata, pé por pé, num tremendo esforço humano : era uma tentativa e luta gigantesca contra a Natureza, tantas vezes imperdoável. Mas o Homem acaba vencendo quase sempre se enfrenta com alma os diversos perigos.
Depois de muitos contratempos, seria ainda possível restarem-me forças ou vontade de continuar também a lutar contra a adversidade, de levantar a minha própria barreira, as minhas casuarinas, para contrariar outros azares ou forças ocultas que surgissem pelo caminho?!
Todos os que ali viviam, alguns há muitos anos, mais não tinham feito sempre senão lutar, levantar suas próprias barreiras e sobreviver! Eu não devia deixar de o fazer; não iria baixar os meus braços!
O providencial Alto-Comissário, general NORTON DE MATOS, havia dotado aquela vila de edifícios próprios para os Serviços Públicos e para quase todos os seus funcionários, ao contrário do que se verificava na maioria das localidades de ANGOLA. Assim, tinha uma residência, geminada, sem mobílias e ao meu dispor, embora solteiro, estando na outra o colega, Recebedor, SÉRGIO JORGE, natural do LUBANGO. Ali me instalei o melhor possível e disposto a enfrentar as novas "garroas" do deserto e as da vida.
Iniciei as minhas novas funções (fiscal de Impostos) em 16 de Outubro; como não existia nenhum aspirante na Repartição, como seria normal, era o único na Secretaria; de resto havia o respectivo chefe, Secretário PRADO, natural de CABINDA, o Recebedor SÉRGIO e um contínuo. O serviço também não era muito; a minha principal função seria a de andar mais por fora, em fiscalização; tive de me habilitar com a respectiva carta de condução, orientado pelo instrutor e solicitador "CARLITOS", também um moçâmedense (ditos "cabeças de peixe" ou "cabeças de pungo"), talvez pelo aproveitamento dessas cabeças para a transformação em farinhas e adubos agrícolas.
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Era mais uma nova experiência; uma parte dessa instrução foi feita também nas dunas, ficando logo a saber que deviam ser cortadas em diagonal, de preferência com o "reforço" engatado e os pneus a meia pressão! Tinha de percorrer assiduamente as inúmeras instalações piscatórias estendendo-se nuns bons quilómetros e ao longo da costa, junto ao mar, naquela imensa e calma baía rica em peixe bastante variado. Existiam já grandes e modernas Fábricas para a obtenção de óleo e farinha de peixe, algumas delas situadas em locais afastados da vila e já em pleno deserto.
A vila tinha apenas uma rua (principal), serpenteando todo o povoado, junto às instalações piscatórias e onde residia a maior parte dos seus trabalhadores, prolongando-se até atingir o pleno deserto.
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Esses meus percursos excediam os limites da própria vila e abrangiam outros locais mais distantes onde também já existiam grandes indústrias dessa mesma actividade, como as do CABO NEGRO (PINDA). Próximo desse local ainda existia uma cópia do antigo Padrão que DIOGO CÃO ali mandara erguer em 18/1/1485.
Essas minhas recolhas de dados e as diversas informações serviam de base para à elaboração do relatório periódico a enviar aos competentes Serviços, além do controle e fiscalização dos seus trabalhadores, alterações de instalações e apreciação das respectivas produções para efeitos fiscais. Era uma missão até, de certo modo, interessante e diferente do normal, dando-me a oportunidades de adquirir novos conhecimentos numa área que desconhecia. Algumas dessas Fábricas estavam dotadas do mais moderno equipamento, funcionando quase automaticamente desde as longas e grossas mangueiras que chupavam as toneladas de pescado (a maior parte sardinha) directamente das traineiras para o interior da Fábrica. Já aí seguiam-se as diversas fases de transformação sem intervenção humana directa; dum lado saía o respectivo óleo para os enormes depósitos e noutro a farinha, logo ensacada e pesada, apenas sob a vigilância dum supervisor ! Cada uma dessas modernas Fábricas possuía uma Central Eléctrica capaz de abastecer toda a vila em que, por incrível que possa parecer, as suas casas ainda eram iluminadas por candeeiros de petróleo ou com as antigas velas de estearina!
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Muitos dos empregados dessas mesmas actividades eram nativos, estando bem instalados nas suas razoáveis acomodações. Alguns deles eram mesmo antigos degredados vindos de outras zonas, em especial do norte e ali cumprindo suas penas em completa liberdade, até porque lhes era impossível tentarem uma fuga pelo imenso e escaldante deserto, sem correrem o risco de uma morte certa. Apesar da situação em que muitos deles se encontravam, creio que raramente se registavam conflitos ou situações desagradáveis com a população local. Quando assim acontecia ou noutras desconhecidas circunstâncias eram severamente punidos pelos "cipaios" a mando das autoridades administrativas, situadas ali mesmo ao lado da nossa Repartição, o que bastante nos impressionava.
Havia outras actividades locais com bastantes e extensas instalações adaptadas à salga e secagem do peixe (ao sol), o qual era a base da alimentação dos nativos em muitas zonas de ANGOLA. Todos esses produtos finais tinham também e,em grandes quantidades, o destino para o estrangeiro, de tal modo que, havia barcos de carga, alguns imensos e dos mais diversos e longíquos países, aguardando por esses carregamentos; eram também mais demorados pela falta de um cais, tendo de serem transportados desde as pontes por intermédio de batelões rebocados por pequenas traineiras, até atingirem os ditos monstros.
Tínhamos uma certa facilidade no acesso a esses barcos (até mesmo nos transportes das autoridades marítimas), o que nos facilitava a aquisição de alguns produtos estrangeiros e das mais variadas marcas (cigarros, garrafas de whisky e doutras bebidas, chocolates, etc.)
Outra interessante faceta praticada naquela zona era a do cultivo de verduras em pequenas ou grandes hortas caseiras. No meu quintal de areias, rodeado de outros com bonitas hortas, logo iniciei o tratamento ali recomendado : o "milagre" baseava-se em espalhar sobre a areia uma certa quantidade de detritos de peixe, secos, depois remexidos e regados; durante alguns dias essa operação era repetida e a terra ficava pronta para ser utilizada; era só lançar as sementes ou enterrar alguns pés de verduras, já preparados. Em pouco tempo obtinham-se belos produtos, como se fosse um verdadeiro milagre !
Também uma bem curiosa e económica situação, era a facilidade de adquirir peixe fresco, bastante variado, directo das pescarias, onde o mesmo era oferecido, sem direito a escolha; quando o "cliente" pretendesse escolher, bastava pagar uma quantia mínima, quase insignificante para ter esse privilégio e conforme o que mais lhe interessasse.
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Era ainda possível manter, numa varanda ou no quintal de casa, uma razoável reserva de mariscos, colocados num saco de linhagem mergulhado numa selha e com água recolhida na praia, a qual se ia acrescentando aos poucos! Bastava, numa pescaria doméstica, mudá-los para a panela. Quando essa remessa já estivesse quase a findar fazíamos um aviso e logo seria gratuitamente renovada.
Afinal, até o deserto e o mar que nos isolavam a toda volta, também protegiam e defendiam a nossa passageira sobrevivência indiferentes a classes ou poderes instalados.
Na vila existia uma pequena Pensão para os "deslocados" ou solteiros e com um razoável tratamento, mas tendo em atenção umas certas precauções. Uma das pragas existentes por todo lado era a das moscas. Atraídas pelos restos de peixe, espalhavam-se pelas casas e estabelecimentos comerciais e na parte inferior das grandes montras das lojas eram retiradas em grandes pás! Na sala de refeições da Pensão tornavam-se constantemente incómodas; a tal ponto que contavam vulgarmente a seguinte piada : na primeira vez, quando uma mosca pousava na sopa, pedia-se ao empregado para a substituir; na segunda vez, retirava-se para o lado e comia-se a sopa; depois, quando não caísse nenhuma, apanhava-se uma e metia-se dentro da sopa!
À tardinha, geralmente, levantavam-se as finas areias sopradas por fortes ventos(garroas) sendo desagradável estar fora de casa. O pior é que, não obstante as grandes centrais eléctricas existentes em várias fábricas, a vila não tinha iluminação pública nem doméstica, limitando qualquer convívio. Para completar esse panorama, além da Pensão, não existia nenhum bar ou café minimamente aceitável para reunir com uns amigos ou conhecidos. Era quase um verdadeiro desterro, principalmente para quem ali se encontrasse isolado e instalado há pouco tempo! A solução então encontrada era um "retiro" na mercearia do "Comércio do Sul", onde o amigo FERREIRA nos atendia e acompanhava num agradável colóquio. As instalações do Clube local (o "INDEPENDENTE") eram ainda fracas e sem grandes atractivos.
Depressa me integrei numa equipe de voleibol que se concentrava no Colégio " CÓNEGO ZAGALO", junto da igreja de "Nossa Senhora do ROSÁRIO",onde fui baptizado em 1933,sendo um dos companheiros mais
preparados o próprio "irmão" CELSO (?). Os meus colegas, já referidos, alguns funcionários administrativos (DATA, ALBERTO PEREIRA, VIDAL, EVARISTO GONÇALVES, e outros (ABÍLIO SILVA e o MENA, dos Correios), optavam por umas partidas de ténis no recinto do Jardim Público, situado na zona das Repartições ou noutras distracções; nunca tive jeito para esse desporto ou talvez por deficiência visual. Às vezes, na bela "residência oficial" do Administrador SOUSA DIAS e de sua esposa, D. FERNANDA, bastante entendida em culinária e na boa maneira de receber os seus inúmeros convidados, realizavam-se uns fartos e inesquecíveis "lanches ao por do sol", festejando aniversários, as chegadas e as saídas de sua filha, estudante na cidade(MOÇÂMEDES).
As digressões pelo deserto não eram fáceis e só alguns mais conhecedores se aventuravam, andando por ali à caça. No entanto, certo dia ouviram-se na vila fortes detonações. As autoridades locais com um guia (CELESTINO CARVALHO -?- ) logo entraram em acção e foram encontrar alguns "exploradores" alemães que por ali faziam prospecções,ficando detidos até justificarem a sua estranha presença. Depois de esclarecida, contrataram o referido guia para os "orientar"! No entanto já conheciam o terreno bem melhor do que ele e sabiam muito bem do que andavam à procura!...
Era uma sensação interessante passear pelas dunas, com o "jeep" em tracção às quatro rodas, pneus quase sem pressão, subindo e descendo em diagonal por causa dos afundamentos na areia fina.


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De resto, ali na vila pouco mais haveria que ajudasse a passar o tempo livre. Nos bailes realizados no Clube em certas datas, acontecia como noutras vilas, estarem presentes muito mais raparigas do que rapazes e, também se dizia, como de CAMACUPA, que dali era difícil saírem solteiros! Nesses bailes, realmente tudo se inclinava para um tal "perigo". No entanto, nos meus sonhos, estava vagueando por outras paragens bem distantes e assim já não estava interessado em "novas aventuras", nem corria tal risco, como acontecera noutros tempos! Outras vezes entretinha-me num recatado cavaqueio com um comerciante, ilustrado, (senhor REIS), possuidor duma limitada e camuflada biblioteca com certos livros que estavam então na lista negra, entre os quais algumas antigas e valiosas obras de JORGE AMADO, de que, em segredo, me facilitou a sua aquisição! Naquele isolamento que então atravessava, fizeram-me uma grande companhia, enquanto os meus pensamentos também voavam desafiando essas garroas até atingirem o "Centro Geodésico" de ANGOLA que era também o "centro" de todas as minhas preocupações e das minhas esperanças.
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As trocas de correspondência, logo iniciadas, foram-se intensificando e criando fortes raízes sentimentais, encurtando a distância. Assim, apesar da minha rápida e forçada saída de CAMACUPA, tudo se encaminhara então para, realmente, dar mais razão à "sentença" do CRISTELO (..." lá, tu não escapas"...).
Essa concretização estava no ar e reforçava-se a cada dia que ia passando, sendo necessário efectuar uma nova viagem ao "Centro de ANGOLA".
Tive de vencer certas dificuldades burocráticas para conseguir a necessária dispensa e autorização em virtude de, embora já pertencendo ao Quadro, continuar naquelas funções numa situação de interinidade; posição mal compreendida por quem tinha a obrigação de o fazer de maneira correcta. Acabei por conseguir, legalmente, bem a contra-gosto dum "renitente" director distrital; só restava meter-me a caminho (desta vez sem as habituais malas)!
O objectivo estava bem determinado e era mais confortante; essas viagens pareciam então mais longas, mais demoradas, não obstante utilizar os mesmos meios de transporte e os mesmos trajectos!
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1959 -- AGOSTO -- Ali estava eu de novo junto dos parceiros (e parceiras) do "grupo", das simpáticas gentes de CAMACUPA e com um rumo bem traçado, mas resolvido a não perder mais "Tempo", com o qual eu tinha antigas contas para ajustar!
Compreendia então porque razão tinha sido "convidado" a aceitar aquela colocação mesmo no Centro de ANGOLA, encerrando assim em breve toda uma inconstante e irrequieta, mas agradável, vida de solteiro!...
... "Era uma vez...um solteiro (e bom rapaz)" !...



--- (ROBERTO - a caminho da Igreja de CAMACUPA com REGINA SERRANO e JÚLIO ARTUR DE MORAIS. representantes dos meus padrinhos de casamento e primos (MARIA DA GLÓRIA ABREU COUCEIRO DA COSTA e JOÃO PROCÓPIO DA COSTA, então residentes em SÁ DA BANDEIRA) ---




--- (MARIA RAQUEL e ROBERTO - Abrindo a porta do nosso Futuro...) ---

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-- (CAMACUPA, 29 de AGOSTO DE 1959) --


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------------ RECORDANDO ... ------------
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=============---------- CAMACUPA, terra inesquecível ! ----------

Localizada num dos principais Vértices do Triângulo dos meus "verdes anos": -- SUL - (HUÍLA -- MOÇAMEDES / PORTO ALEXANDRE) ; -- NORTE -- LUANDA ; -- CENTRO -- CAMACUPA / CHINGUAR / SILVA PORTO ). CAMACUPA merece ainda a referência de se encontrar precisamente no "Centro Geodésico de ANGOLA", sendo assim o seu coração :
MOÇAMEDES, a princesa do NAMIBE, minha terra natal, com suas maravilhosas praias, suas miragens, rodeada dum imenso deserto, abençoado por SANTO ADRIÃO
PORTO ALEXANDRE, encerrada nesse deserto, com as suas cabras de leque, os seus enigmáticos cactos, situada entre as dunas e o mar, aconchegada em suas vastíssimas baías, terra onde, com menos dum ano, recebi a água benta na pia baptismal.
LUBANGO, terra da minha meninice no BAIRRO DO BENFICA e na ESCOLA LUÍS DE CAMÕES, da minha juventude irrequieta no LICEU DIOGO CÃO e COLÉGIO INFANTE DE SAGRES; da minhas saudades do "Picadeiro", do extenso JARDIM, da SENHORA DO MONTE e de tantos outros belos recantos.
LUANDA, onde cumpri o meu dever militar durante um ano (1953) e tive a oportunidade de recolher preciosos elementos sobre a História de ANGOLA. Também podemos dizer que era..." a cidade maravilhosa"... com sua grandiosa Restinga, sua linda ILHA com .."encantos mil"...; das imensas saudades que sobraram com agradáveis companhias, das suas alegres gentes, de que pouco mais sobrou : recordações; da sua Marginal, das suas praias e esplanadas !
Alguns anos mais tarde, novamente em LUANDA, depois de uma agradável estada em NOVA LISBOA e no BAILUNDO, renovei e revivi as melhores lembranças então colhidas, mas já em novas e futuras funções (Serviços de Fazenda). Ali, ao fim de poucos meses, um colega e amigo dos tempos da Direcção do HUAMBO (FLORINDO), "convidou-me" para uma transferência até CAMACUPA, ao mesmo tempo que me sentenciava..." mas olha que de lá não escapas... nós temos cartas a pedirem a colocação de funcionários solteiros "...
CAMACUPA - o coração de ANGOLA ( e não só), onde cheguei utilizando o "mala" desde o LOBITO, depois de uma noite e quase um dia de viagem ! Ali estava no CENTRO DE ANGOLA; para minha surpresa tinha à espera um amistoso grupo de rapazes da Messe e de outros seus frequentadores habituais, acompanhados de lindas e simpáticas raparigas : estavam à espera do "brasileiro"...
Antiga VILA GENERAL MACHADO, era bem delineada, com um amplo e bem florido Jardim (não só de flores naturais), com gente simples e simpática. No entanto, dessa vez, foi só quase uma visita, pois o meu Roteiro iria sofrer uma mudança para bem distante, curiosamente e mais uma vez, regressando ao Vértice Sul do meu Triângulo geográfico : PORTO ALEXANDRE. Embora tivesse sido quase que como uma passagem e, contrariando o ditado..."longe da vista, longe do coração"...,o meu continuou preso, junto ao de ANGOLA. Assim se estava cumprindo a profecia do colega e amigo FLORINDO : "de lá não escapas" !
CAMACUPA, terra encantada, não escapou também à outra minha "sina" : como aconteceu com os outros dois Vértices do meu Triângulo, uma vez mais estava à minha espera no cumprimento das minhas funções oficiais. Foi também um período que deixou saudades : dos colegas, dos amigos em geral, dos companheiros das pescarias aos fins-de-semana em prolongadas e até arriscadas deslocações. A meio do dia, em local escolhido e combinado, mesmo sem peixe de jeito, tinha lugar um reconfortante repasto. Além dessas pescarias ("completas"), volta e meia, preparávamos também animados concursos de pesca com a presença de candidatos das mais variadas vilas e cidades. CAMACUPA é uma famosa zona de pesca desportiva. É a "MÃE DAS ÁGUAS" : os diversos rios que ali têm suas fontes são fartos de variadas espécies, obtendo-se bons exemplares.
Se MOÇÂMEDES / PORTO ALEXANDRE, foram o meu Vértice inicial (1932) na maravilhosa ANGOLA, CAMACUPA foi, infelizmente, o meu Vértice Final (1975).
Esperava-me COIMBRA, distante mas sempre presente e desejada, desde os tempos de estudante na nossa NOVA COIMBRA (SÁ DA BANDEIRA), com as suas tradições académicas e suas Capas Negras esvoaçando em noites de Serenatas.

--- De : ROBERTO CORREIA -- em : www.camacupa.com.pt - (2007)

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========== E, DEPOIS DO ADEUS A CAMACUPA E A ANGOLA ??...

------ CHEGOU A ANSIADA INDEPENDÊNCIA, A PROPALADA "LIBERTAÇÃO NACIONAL"... MAS COM ELAS ... O CAOS GERAL, A DESTRUIÇÃO, A FOME E A GUERRA CIVIL, IMPIEDOSA, DESTRUIDORA DE PESSOAS E BENS, DESTRUIDORA DA PAZ E DOS SONHOS DOS SEUS POVOS :


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---- - Por exemplo, vejamos as fotos que antecedem (de autor não identificado):

1)--- O prédio da Repartição de Fazenda (Finanças), tendo em todo o 1º andar a residência para o respectivo chefe (Secretário), construído poucos anos antes para esse efeito e o estado que se encontrou depois da nossa saída (Setembro de 1975), após ali termos residido durante três pacíficos anos !
-- Do lado esquerdo, veja-se a situação do então recém construido prédio da Câmara Municipal, com evidentes sinais de destruição e já sem a sua cobertura !

2) --- A pérgula (deserta) existente no jardim central, uma grata recordação e ao fundo a igreja paroquial !

3) --- A rua central (quase deserta), vendo-se no gaveto a residência da Família BARBEDO PINTO, a seguir : "FARMÁCIA SILVEIRINHA" e sua residência, pertencente à Família SERRANO, ambas ali residentes há muitos anos.

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------------ Para consolo dos seus ex-residentes e dos poucos que por ali ficaram, ali continuou o seu "CRISTO-REI" (posteriormente "decepado"... !:

----- (Monumento a "CRISTO-REI", em CAMACUPA) -- uma cedência amável do seu autor...) -----
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====== Outros "sítios" e Blogues recomendados para consultas relacionadas com os meus blogues :

muhuila.hpg.ig.com.br/lubango.html

angolalubango.com.sapo.pt/

www.recordarangola.com

www.recordarangola.blogspot.com

www.radiosim.pt

www.radiosim.pt/progamas_detail.aspx?fid=179&did=1441

skyscrapercity.com/showthread.php?t=418274

princesa-do-namibe.blogspot.com

mocamedes-do-antigamente.blogspot.com

mocamedes_saudade.blogspot.com/2007/05/blog-post_481.html

mocamedesregistosefactos.blogspot.com

geohistharia.blogspot.com

tudosobreangola.blogspot.com

hffponte.blogspot.com/2006/05/dedicatria.html

pissarro.home.pt/

sanzangola.com

angola.saiago.net/links1.html

bimbe.blogs.sapo.pt

camacupa.com/

espoliadosultramar.com


                                                  ======= BRASIL : =====

brasilturismo.com

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---================---------------- VER "LISTA GERAL" -----------------

3 comentários:

Anónimo disse...

BUSCANDO PELO PASSADO DE MEU AVÔ
CAPITÃO PEDRO AUGUSTO CHAVES
FIQUEI MUITO EMOCIONADO,EM SABER
PARTE DE SUA HISTÓRIA,EM SÃO PEDRO
DA CHIBIA
SOU FILHO,DE RAUL AUGUSTO CHAVES
FILHO MAIS NOVO DE PEDRO AUGUSTO
CHAVES.GOSTARIA SABER MAIS

Unknown disse...

SOU NETO DO CAPITÃO PEDRO AUGUSTO
CHAVES,FIQUEI MUITO EMOCIONADO EM,
VER SEU NOME CITADO NESTA PÁGINA
E EM SABER UM POUCO DE SUA HISTORIA
GOSTARIA SE POSSIVEL,SABER MAIS
SOU FILHO DE RAUL AUGUSTO CHAVES
FALC.EM 54
TENHO ATUALMENTE 65 ANOS.
ABRAÇOSJ

Tocha Maria "Afonso" disse...

sou filha de Florindo Cristelo ja falecido e fiquei sensibilizada por ver o seu nome aqui mencionado...meu pai falava bastantes vezes sobre estes belos tempos...